Existem duas explicações recorrentes para a virada de chave que levou o setor da maçã a qualificar a contratação de mão de obra sazonal. A primeira delas diz respeito à dependência da força de trabalho humano em larga escala no período da colheita: são necessários cerca de 250 safristas para cada 100 hectares de área plantada.
A estimativa é de que 12 mil pessoas – o equivalente a cerca de 20% da população do município — chegam a Vacaria a partir de janeiro para atuar nos pomares.
A colheita da maçã precisa de mãos hábeis e de movimentos precisos. O serviço não é na base do "chacoalhão" do pé ou da grosseria. Os homens pegam a fruta uma a uma na palma da mão, por entre galhos entremeados, e fazem um movimento de torção para romper o cabo. Depois de solta, a fruta é colocada em uma sacola atada ao corpo que sustenta de 10 a 13 quilos, conhecida na região como bocó.
Para alcançar os frutos mais altos, é necessário passar o dia no sobe e desce de escadas, em um piso de lavoura levemente acidentado. Uma vez cheia a sacola, os safristas despejam a maçã nos bins, caixotes de madeira que comportam mais de 300 quilos e são puxados por tratores.
O fruto é sensível e precisa ser depositado nos bins com delicadeza. Qualquer batida deixa machucados na maçã, o que a retira daquelas que serão destinadas ao consumo in natura, restando a alternativa de ser enviada à indústria para virar suco.
Testes realizados até agora não indicam que robôs possam fazer o trabalho de forma satisfatória no médio prazo. Diferente de setores como a soja, em que a máquina faz quase tudo, na colheita da maçã o capital humano é decisivo.
— Algumas culturas têm período curto de colheita. É o caso da maçã. Existem limites para a mecanização, e aí entra a mão de obra sazonal — diz Alberto Bracagioli Neto, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O presidente da Associação Gaúcha de Produtores de Maçã (Agapomi), José Sozo, explica a melhoria do setor dizendo que "a pessoa é a máquina mais importante do nosso negócio".
— Se tratarmos mal, não tem colheita e a maçã vai cair no chão. Se castigarmos a mão de obra, vamos à falência — afirma.
A propriedade dele, no limite entre Monte Alegre dos Campos e Vacaria, pode ser classificada como pequena se comparada com as gigantes que atuam na região. A fazenda de Sozo tem 30 hectares de área plantada de maçã e, em 2023, a previsão é de que a colheita tenha sido encerrada em abril com 1,4 mil toneladas das variedades gala e fuji, dominantes no mercado brasileiro.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Estrutura
Embora seja uma empresa de menor porte, as estruturas de alojamento, refeitório, alimentação e acordos de remuneração seguem o mesmo padrão das grandes propriedades.
José Evânio Alves Silvano é de Santana do Ipanema, em Alagoas, e atuou pelo quinto ano seguido na colheita na terra de Sozo. Ele já teve experiências anteriores no ciclo da laranja, em São Paulo, mas optou por trabalhar em colheita somente nos pomares do Rio Grande do Sul. Depois de encerrado o serviço no Estado, retorna a Alagoas, onde se mantém com os salários recebidos e com o plantio de subsistência de feijão e milho.
— Aqui (no Rio Grande do Sul) é melhor no pagamento, tem comida pronta. Na laranja, a gente tinha de cozinhar depois de trabalhar. Somos bem cuidados e, se Deus quiser, vou voltar ano que vem. Eu gosto do campo, do trabalho rural, e me sinto em uma segunda casa aqui no Sozo — declara Silvano.
Cardápio
No dia 12 de abril, encerrada a jornada às 17h30min, Silvano e outros 17 safristas contratados por Sozo, a maioria de alagoanos para a reta final da colheita da fuji, sentaram-se em refeitório com televisão e bufê para jantar. O cardápio tinha salada, feijão, arroz, batata chips, farinha de mandioca e carne de panela.
No dia seguinte, o prato principal foi peito de frango. A boia é preparada diariamente pelo cozinheiro Vilson Fagundes, desde 2005 empregado na propriedade.
— O pessoal gosta mesmo é da massa espaguete — conta o cozinheiro.
Reputação interfere no comércio exterior
A segunda explicação para a virada de chave do setor da maçã é a exportação para países europeus. Segundo a Agapomi, das 1,2 milhão de toneladas colhidas em 2021 no Brasil, cerca de 100 mil toneladas foram vendidas para outros países.
A maioria da produção é para consumo interno, mas grandes empresas têm maior nível de comércio exterior: a Schio Agropecuária exporta entre 25% a 30% da produção, enquanto na Rasip Alimentos, de Vacaria, a fatia gira em torno de 10% a 20%.
Para vender às nações europeias e à Rússia, é necessário obter certificações agrícolas de boas práticas ambientais, de segurança alimentar e de recursos humanos, o que também é conhecido como Global G.A.P. Na prática, tratar os safristas dignamente é parte da reputação de mercado.
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSM, especializado em sociologia rural, Everton Picolotto diz que o passado de autuações nos Campos de Cima da Serra deixou o setor pressionado pelas cadeias globais, com risco de perda de mercados.
— Eles tiveram casos de repercussão, especialmente no início dos anos 2000. O setor vende para fora e sofreu com a exposição. Houve restrições. Isso coincidiu com o ajustamento da conduta — diz Picolotto.
As empresas reconhecem a importância do trabalho decente para o ambiente de negócios com a Europa.
— Não se exporta sem as certificações. E isso inclui a questão dos recursos humanos — afirma Celso Zancan, diretor de Fruticultura da Rasip Alimentos, empresa que produz cerca de 65 mil toneladas de maçã por ano, das quais 55 mil toneladas são de plantio próprio.
Em caso de perda de mercados de exportação, a maçã brasileira corre o risco de se tornar uma oferta demasiadamente abundante para o consumo interno, o que significa redução de preço.