Entidades de produtores rurais de Uruguaiana rebateram, nesta terça-feira (14), as suspeitas de que 82 trabalhadores tenham atuado em condição análoga à escravidão em plantações de arroz nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim.
Nas propriedades, os homens faziam o corte do arroz vermelho, espécie de invasor que se sobressai em relação ao grão cultivado. Eles foram resgatados na sexta-feira (10), em operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF).
Os órgãos investigam produtores rurais e pelo menos uma empresa de sementes como responsáveis pelos cultivos em que os trabalhadores foram resgatados em situação degradante, sem equipamentos de proteção individual (EPIs) e banheiro. As autoridades informaram que as vítimas não tinham local de descanso, enfrentavam restrição de acesso à água e tinham de acondicionar a comida em mochilas expostas ao sol. Como resultado disso, por vezes consumiam alimento azedo. Elas teriam de usar facas de serra no corte do inço e não disporiam de itens básicos, como botas e luvas. Os que aplicavam herbicida não teriam as proteções adequadas.
Em nota assinada pelo Sindicato Rural de Uruguaiana e pela Associação dos Arrozeiros de Uruguaiana, os produtores da região “repudiam” as informações reveladas ao público após a operação de resgate.
“As lavouras de Uruguaiana representam importante setor de desenvolvimento sustentável do município e do país, seja quanto ao respeito ao meio ambiente, como relativo à segurança e saúde do trabalhador rural, submetidas ao mais rigoroso controle dos órgãos de fiscalização, sendo raramente constatado algum caso de descumprimento de normas”, diz trecho do comunicado das instituições.
Apesar de um homem apontado como aliciador ter sido preso em flagrante – e liberado provisoriamente um dia depois após o pagamento de fiança –, as entidades afirmaram “condenar a narrativa lançada na mídia e nas redes sociais, imputando a prática de trabalho análogo à escravidão sem a devida comprovação”.
A nota menciona que o caso de Uruguaiana não atenderia requisitos previstos no artigo 149 do Código Penal, que versa sobre a redução à condição análoga à escravidão. Pela legislação, o enquadramento pode ser dado em casos de trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes e restrição de circulação devido à dívida com o empregador ou preposto.
O auditor fiscal do trabalho Vitor Ferreira, chefe do Setor de Inspeção do Trabalho em Uruguaiana, afirma que, no caso específico, os trabalhadores foram reduzidos à condição análoga à escravidão por conta da condição degradante de trabalho. Ele salienta que não foram verificadas outras nuances como agressões, cárcere ou servidão por dívida. Parte dos trabalhadores é residente de Uruguaiana e era transportada em vans ou ônibus diariamente até as lavouras. Outra parcela de recrutados, que morava em cidades vizinhas da Fronteira Oeste, ficava alojada em um galpão sem janelas onde, no momento da operação, foram localizados seis homens e seis colchões. Esse ambiente foi considerado impróprio.
— A condição degradante se atém, neste caso, às restrições de água, de alimentação, à inobservância de regras mínimas de local de descanso e inexistência de banheiro — afirma o auditor.
O delegado Gilberto Kirsch, da PF, participou da operação de resgate e reforça o enquadramento do caso como situação análoga à escravidão.
— As pessoas, por vezes, acham que precisa do cerceamento de liberdade ou envolvimento de dívidas, mas não necessariamente. Neste caso, houve a condição degradante. Não tinham a mínima estrutura para higiene pessoal e alimentação, sequer para o descanso no horário de almoço. Isso é a situação degradante que ocasiona redução à condição análoga à escravidão — diz o delegado.
Kirsch diz que à Polícia Federal cabe a investigação criminal pelos supostos delitos, enquanto o MPT e o MTE se debruçam sobre questões administrativas, encaminhamento de direitos trabalhistas e pagamento de verbas rescisórias às vítimas. O artigo 149 do Código Penal prevê pena de reclusão de dois a oito anos pela redução ao trabalho análogo à escravidão. O delegado salienta que, no caso de Uruguaiana, existe um agravante previsto em lei pela presença de menores de idade entre os resgatados. Esse detalhe pode fazer a pena ser aumentada da metade, diz a lei. Kirsch confirmou que entre os investigadores estão produtores rurais e pelo menos uma empresa de sementes, mas disse que os nomes são mantidos em sigilo para preservar a apuração.
Cada trabalhador recebia R$ 100 por diária de trabalho, o que era pago semanalmente. A nota das entidades rurais de Uruguaiana ainda destacou que é “inerente ao trabalhador e ao empregador rural o trabalho realizado em ambiente natural, (...) com trabalho rotineiro durante o dia e sob o sol intenso, não sendo crível aceitar tal condição como elemento indicativo de degradação laboral.”
A nota é finalizada com os apontamentos de que os homens resgatados nas estâncias tinham liberdade para decidir sobre a continuidade do labor e não seriam funcionários dos produtores rurais, mas terceirizados para a realização do serviço específico de corte do arroz vermelho.
“Já se tem informação, preliminar, que os trabalhadores encontrados pelas autoridades não eram empregados das granjas indicadas, mas vinculados a uma empresa terceirizada”, reforçam as entidades.