Após o resgate de 82 trabalhadores em condições análogas à escravidão em duas fazendas de arroz em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, na última sexta-feira (10), o diretor jurídico da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz), Anderson Beloli, defendeu, em entrevista à Rádio Gaúcha, nesta terça-feira (14), que os fatos sejam apurados e que haja punição aos responsáveis.
— O nosso objetivo é entender os fatos, porque a nossa preocupação é que eles sejam apurados. E havendo, e isso é importante que se deixe claro, qualquer tipo de desrespeito as regras, sejam quais forem, da nossa legislação, que os responsáveis sejam punidos. Porque entendemos que estes fatos não representam a realidade da lavoura de arroz do estado do Rio Grande do Sul — afirmou Beloli ao Gaúcha Atualidade.
O advogado considerou ainda que a situação encontrada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Uruguaiana "causa estranheza", pois, segundo ele, "a lavoura de arroz é a que mais emprega pessoas por hectare no RS", e estas pessoas ficam empregadas "durante o ano inteiro com direitos trabalhistas garantidos pela CLT":
— A Federarroz passa orientações frequentes para os nossos produtores para que respeitem a legislação. Em caso de discordância, e isso é natural num processo democrático, dialético de evolução da sociedade. Quando não respeitamos, nós buscamos o governo federal, estadual, seja ele qual bandeira for, sem ideologia e qualquer tipo de preconceito. Para que possamos discutir tecnicamente as mudanças legais necessárias.
Entre os 82 resgatados, estavam 11 adolescentes com idades entre 14 e 17 anos, no segundo maior resgate registrado no Rio Grande do Sul, atrás apenas dos 207 trabalhadores encontrados em Bento Gonçalves, em fevereiro. No sábado (11), a Federarroz já havia se manifestado, por meio de um comunicado intitulado "Nota Pública à Sociedade Brasileira" (leia íntegra abaixo). No texto, a entidade afirmou que "estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto" e que irá "colaborar com seus devidos esclarecimentos". Mas foi criticada por relativizar a operação dizendo que "o possível não cumprimento de regras trabalhistas vigentes não culminam, necessariamente, na possibilidade de enquadramento dos fatos como "análogo a escravidão".
À Rádio Gaúcha, nesta terça, o diretor jurídico da entidade ressaltou que a posição da Federarroz é de apoiar as investigações sem "fazer um julgamento se há ou não uma condição semelhante a escravidão nesse caso":
— Em sendo verificado isso (trabalho em condições análogas à escravidão) através do poder judiciário, sim, deve ser punido. O que nós estamos propondo, e que fique muito claro aqui, é que essas investigações sejam feitas da forma mais célere possível, inclusive a Federarroz estará colaborando para que isso possa acontecer. Para que nós não criemos aqui um prejuízo enorme a esse setor, repito, que é até importante não só economicamente no Estado, mas sobretudo socialmente — disse Beloli.
Ouça a entrevista na íntegra:
Leia a nota da Federarroz na íntegra
"A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul – FEDERARROZ, vem, a público, tendo em vista seu compromisso irrestrito com o Estado Democrático de Direito e o respeito às Leis do país, sem prejuízo da missão de assegurar a segurança alimentar do povo brasileiro, externar o que segue.
Verifica-se a divulgação, por meio de canais de comunicação e veículos de imprensa, que, em operação organizada por órgãos estatais, se procedeu à identificação de pessoas laborando, "em área rural do Estado, "em desrespeito às regras trabalhistas vigentes e em condições análogas à escravidão”.
Com efeito, a Federarroz, entidade que representa os produtores de arroz do Rio Grande do Sul, Estado que é responsável por mais de 70% (setenta por cento) da produção nacional do cereal, ressalta que estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto, de modo a colaborar com seus devidos esclarecimentos.
A par do exposto, os fatos narrados reclamam parcimônia, por parte dos órgãos de fiscalização, imprensa, sociedade civil, entre outros agentes envolvidos, na medida em que, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro, o possível não cumprimento de regras trabalhistas vigentes não culminam, necessariamente, na possibilidade de enquadramento dos fatos como "análogo a escravidão", vez que a Legislação e a jurisprudência pátria exigem o preenchimento de requisitos específicos para a configuração efetiva da previsão legal e, por conseguinte, para punição dos respectivos responsáveis.
A Federarroz reitera os compromissos da lavoura de arroz do Estado do Rio Grande do Sul com a construção de um país e uma sociedade livre, justa e solidária, mediante o desenvolvimento e compatibilização dos aspectos econômico, sociais e ambientais, como a forma de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."