A produtora de leite Cláudia Salete Anhaia, 47 anos, possui 42 cabeças de gado, sendo 26 vacas para ordenha. Sua propriedade tem apenas três hectares e fica situada na Comunidade Assentamento Ceres, a 11 quilômetros da área central de Joia, na Região Noroeste. E os animais sofrem tanto quanto os humanos em tempos de estiagem.
— Os bichos vão começar a morrer de fome, porque não tem mais o que dar — afirma Cláudia, que tira o sustento há 17 anos no assentamento, e antes vivia com a família em Salto do Jacuí.
Nesta quinta-feira (16), a produtora, o marido Dilson Lima dos Santos, 52, além da filha Celita, 11, compartilhavam os dissabores da vida como produtores rurais sem nenhum auxílio dos governos estadual e federal.
— Sempre lidamos com o leite, mas ficar sem boia para os bichos após a gente plantar, e não colher, nunca aconteceu antes — impressiona-se.
O gado come resto de silagem de milho e casca de aveia. Mas o alimento não é suficiente e não há pasto. A água vem do poço artesiano, de onde as famílias também bebem. Os dois açudes secaram. Questionada se as vacas passarão fome, a produtora garante que, se depender dela, isso jamais acontecerá.
— Faço tudo pelas minhas vacas — emociona-se, acrescentando: — Não vou deixar que morram de fome. Se tiver de tirar dinheiro do ganho do leite para comprar boia para elas, eu tiro. Não tem como tirar leite de vaca magra. Tudo o que temos é graças a elas.
No ano passado, a família gastou R$ 32 mil com alimento para o gado. Uma carga de 4 mil quilos custa R$ 1,6 mil.
Os tempos são de escassez. Antes da estiagem, as vacas produziam 700 litros de leite por dia. Agora, magras e cansadas, conseguem dar 225 litros. Os pequenos produtores recebem, em média, R$ 2,19 por litro. A ração que compram para as vacas custa R$ 2,48 o quilo.
— As vacas são crianças que vimos nascer. São a nossa vida — desabafa o marido.
Nesta comunidade formada por 113 famílias, 28 lidam com leite e dependem das vacas para sua sobrevivência. Mas falta ração, e o gado quase não tem força para retribuir.
— A seca mata tudo — decreta o marido.
"Estamos todos no mesmo barco", afirma produtor
O município de Joia, um dos maiores produtores gaúchos de soja, tem sofrido com os efeitos da estiagem. A prefeitura decretou situação de emergência. Falta água em comunidades, açudes desapareceram, peixes morreram e não há alimento para o gado.
Outro produtor da Comunidade Assentamento Ceres, Atilio Fernandes Vargas, 72 anos, tem o rosto marcado pelo trabalho. Planta soja e trigo. Teve perda total.
— Estamos todos no mesmo barco — reflete Vargas, quando indagado sobre o que constata de tudo isso.
E todos sentem na pele, e no bolso, o que isso representa. Em São João Mirim, no Assentamento Simon Bolivar, Valdecir Casemiro, 47 anos, também relata que a vida está difícil.
— Este ano está pior do que no passado — observa Casemiro.
Em sua propriedade de 9,4 hectares, possui 14 vacas. A produção diária é baixíssima: 12 litros. Antes da estiagem, era um pouco melhor — 20 litros. Ainda planta milho e pasto. O açude quase secou e segue muito baixo, com cerca de 20% de água. Casemiro precisou sacrificar os peixes, quase sem água, e os congelou para venda.
— A seca não atingiu só a colônia, atingiu a cidade também. Porque é uma engrenagem em movimento e envolve o comércio.
O produtor sente no peito a dor de ver o gado em sofrimento. E ainda calcula as perdas.
— Se não tem boia para os animais, quebra a produção em 50%.
A esposa Patrícia, 41 anos, e os filhos Matheus, 16, e Gabriel, 9, dependem do que a propriedade produz.
— Na cidade é ruim de a gente achar emprego. Pelo menos aqui tenho frutas e galinhas para comer — conforma-se Casemiro, com o olhar no açude quase seco.
Prefeitura reconhece momento delicado
O prefeito de Joia, Adriano Marangon, não esconde a preocupação com o cenário de desolação:
— Temos lugares que não chove há muito tempo, falta água para os animais e para as pessoas em algumas situações.
O município, situado a 420 quilômetros de distância de Porto Alegre, terá um caminho cheio de adversidades até voltar a dias melhores.
— Precisamos quase fazer um trabalho de psicologia para motivar os produtores. Estamos presentes para ouvir as angústias e amenizar o sofrimento deles — explica Marangon.
Há um estudo na cidade para se fechar os registros de água em alguns horários. Existe a possibilidade de haver racionamento em determinados momentos do dia. O secretário de Administração e Finanças de Joia, José Machado, confirma que a situação é precária.
— Estamos fazendo abastecimento de algumas localidades do interior com caminhões-pipas.
O pessoal que trabalha com a bacia leiteira está sofrendo mais. Porque é utilizado o milho para fazer silagem, e os produtores só conseguiram palha.
TOBIAS DE OLIVEIRA
Vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Joia
O gerente regional da Emater/Ascar em Ijuí, Fábio Pasqualoto, estima que os prejuízos com as culturas de soja, milho grão, milho silagem e bovinocultura de leite superem, de fato, os R$ 400 milhões em Joia.
— Temos uma das maiores áreas de soja cultivadas no Estado. Há algumas com perdas extremamente elevadas e que não foram nem semeadas, porque os produtores não conseguiram. A média do município foi afetada na agricultura — avalia Pasqualoto.
Além do município, os vizinhos Eugênio de Castro — onde a Lagoa da Mortandade secou —, Augusto Pestana, Boa Vista do Cadeado, Tupanciretã e São Miguel das Missões sofrem perdas semelhantes.
— Toda a primeira safra do milho foi perdida. Além do prejuízo comercial da lavoura de grão, temos o prejuízo da lavoura de silagem. Isso vai acarretar na perda elevada também na produção de leite. Porque o produtor vai usar um milho de baixa qualidade para a confecção da silagem e o custo da produção aumenta muito — contextualiza Pasqualoto.
O horizonte não é alvissareiro para qualquer cultura plantada:
— Já temos a perda quantificada no milho. Na soja, sabemos do prejuízo, mas a cada dia vai aumentando. A tendência é piorar até a colheita.
Por sua vez, o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Joia, Tobias de Oliveira, explica que as perdas são maiores na produção de leite.
— O pessoal que trabalha com a bacia leiteira está sofrendo mais. Porque é utilizado o milho para fazer silagem, e os produtores só conseguiram palha — esclarece, dizendo que os açudes estão desaparecendo.
O dirigente diz que a soja está morrendo em regiões onde há mais pedras por baixo do solo ou próximas ao asfalto. Isso acontece em localidades como Augusto Pestana, Cará e na própria Joia.
— A soja está em etapa de floração e as flores estão abortando. Mas agora não tem umidade para encher o grão, praticamente será uma farinha que sairá dali — prevê o vice-presidente.
E a água está se esvaindo na região.
— Nos locais onde há açudes e arroios, a água está secando mais rápido do que nos últimos anos — atesta Tobias, concluindo: — Situação tão grave quanto esta nunca tinha visto. O pessoal que trabalha com a bacia leiteira está sofrendo mais. Porque é utilizado o milho para fazer silagem, e os produtores só conseguiram palha.