O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) perdeu 35,2% dos servidores públicos lotados no Rio Grande do Sul durante os últimos 10 anos. Entre dezembro de 2012 e dezembro de 2022, o número de servidores baixou de 125 para 81. É como se um a cada três funcionários públicos tivesse deixado a autarquia no período, a maioria por aposentadoria.
A queda foi praticamente constante ao longo da última década. O pior momento da série histórica ocorreu em 2021, quando o Ibama chegou a ter apenas 71 funcionários de carreira no RS. No ano seguinte, um concurso nacional e a nomeação de técnicos aprovados atenuaram a queda (veja o gráfico abaixo). Mesmo assim, a chefia do Ibama e os servidores reconhecem que o contingente está aquém do necessário.
A redução do quadro no Rio Grande do Sul acompanha a tendência nacional. Se no fim de 2012 existiam 3.960 funcionários atuando em todo o país, hoje o contingente chega a 2.904. São 1.056 servidores a menos, diminuição de 26,6% da força de trabalho.
Os dados foram obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI).
O que esses números querem dizer, na prática? Primeiro, que há menos servidores do Ibama atuando na linha de frente de fiscalização de áreas protegidas e sob jurisdição federal. Segundo, que há menos pessoas para analisar milhares de documentos referentes a licenciamento e multas. As consequências são a redução de poder de fiscalização, o atraso na concessão de licenças ambientais e o risco de prescrição das infrações.
Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda avalia que a redução do quadro de servidores do Ibama foi um dos eixos da política ambiental do governo de Jair Bolsonaro:
— A intenção é desqualificar e desmantelar os órgãos ambientais para facilitar a vida da produção. Isso ficou muito claro no governo Bolsonaro, esses quatro anos foram no sentido de sucatear os órgãos ambientais. Não queremos que se prejudique a produção, mas ao contrário, que qualifique, dentro da lei.
Fiscalização
A Associação dos Servidores do Ibama no RS (Asibama-RS) considera que o quadro atual é insuficiente para dar conta das demandas da autarquia. A entidade estima que, dos 81 funcionários lotados no Estado, apenas 15 atuam diretamente na fiscalização para coibir crimes contra a fauna e a flora.
O analista ambiental Kuriakin Toscan conta que, há 10 anos, era comum montar equipes com até 20 agentes do Ibama para operações especiais de combate a crimes ambientais. Agora, o máximo que se consegue reunir são alguns poucos servidores.
— Hoje a gente monta uma equipe de fiscalização com dois, três, quatro agentes do Ibama. Como não se consegue ter um quantitativo de equipe, a gente pede apoio para os policiais, até para fazer segurança — explica Toscan.
Além do número baixo de funcionários, o medo e a insegurança são características do "trabalho de campo" nos últimos anos. Conforme a Asibama, tornaram-se recorrentes os episódios em que os fiscais são ameaçados verbalmente por infratores ambientais, especialmente em casos de pesca ilegal na Lagoa dos Patos. Em uma ocasião, narra Toscan, os suspeitos chegaram a afrontar a polícia, obrigando as autoridades a fazer disparos com arma não letal (bala de borracha).
Servidores consideram que os discursos de Bolsonaro e do ex-ministro Ricardo Salles, associando o Ibama a uma suposta "indústria da multa", acabaram encorajando criminosos a reagir à abordagem dos fiscais.
Para garantir a segurança dos agentes de fiscalização, a solução encontrada pela Superintendência do Ibama no RS tem sido pedir o apoio de policiais do Comando Ambiental da Brigada Militar e de um batalhão de choque. Também tornou-se padrão utilização de coletes à prova de balas e porte de arma pelos fiscais nas operações — medidas que antes eram adotadas eventualmente, mas que agora são consideradas obrigatórias.
— Houve uma inversão da lógica. Quando a gente está trabalhando, não sou eu, é o Estado brasileiro que está cumprindo uma função legal de garantir o cumprimento da Constituição. Houve uma reversão, a gente que é quase (tratado como se fosse) o bandido — diz o analista ambiental.
Multas e licenciamento
A simples aplicação de uma multa não encerra o processo para a cobrança de um crime ambiental. Do ponto de vista administrativo, a infração precisa ser analisada e julgada pelo Ibama em diferentes instâncias até que se chegue à cobrança efetiva do valor. Novamente, a falta de funcionários prejudica a análise dos autos e acentua o risco de prescrição das penalidades.
Em agosto do ano passado, reportagem de GZH mostrou que, desde 2019, havia 539 processos gerados por multas ambientais aplicadas no Rio Grande do Sul que aguardavam julgamento do Ibama. Do montante, 85% ainda estavam pendentes de análise, no estágio anterior ao julgamento. Se somados os valores de todos os processos que aguardavam julgamento, o total chegava a R$ 70,6 milhões.
— Depois que a fiscalização fez a ação em campo e lavrou a multa, ela precisa ser julgada dentro do órgão para ser efetivado o pagamento. Nós temos milhares de processos (no país) ainda represados. Então, a falta de pessoal reflete também na efetivação do trabalho de fiscalização — pondera a secretária-geral substituta da associação, Jury Patrícia Mendes Seino.
As equipes reduzidas também causam maior tempo de espera para processar pedidos de licenciamentos em áreas de competência da União, como rodovias federais, ferrovias e extração de petróleo no mar. A avaliação da Asibama é de que faltam servidores administrativos, que cuidam da área de contratos e fazem o acompanhamento de obras.
Órgão reconhece precarização
Chefe da Divisão Técnico-Ambiental do Ibama no RS, Jean Gelain afirma que o último governo "fez avanços fantásticos" na digitalização da administração pública federal, mas reconhece que há uma "precarização" do quadro de servidores. A autarquia não possui informação sobre quantos cargos estão em aberto no Estado.
— Houve uma precarização, sim, dos quadros funcionais. Não é uma exclusividade do Ibama, mas certamente é um dos órgãos mais atingidos por esse déficit de pessoal. Tivemos muitas aposentadorias — diz Gelain, que é servidor do Ministério da Agricultura e foi cedido para a autarquia ainda na gestão passada.
Em 2022, o governo federal autorizou a nomeação de 568 vagas para aprovados em concurso do Ibama. Para o RS, foram nomeados 15 novos servidores, todos técnicos.
— Esses técnicos estão sendo treinados para fazer o trabalho de fiscalização. Foi um dos requisitos para o concurso. Vários já são fiscais e podem fazer autuação — afirma Gelain.
A Asibama critica o fato de não ter havido nomeação de analistas de nível superior.
— Os técnicos têm atribuição de apoio, então, eles não vão suprir essa demanda que está represada. O Ibama fez um concurso equivocado, colocou técnicos para fazer economia de orçamento, mas a força de trabalho de técnico não supre a necessidade que o órgão tem de analistas — contesta Jury.
A remuneração para analistas aprovados no concurso é de R$ 8,5 mil. Para técnicos, é de R$ 4 mil.