O naufrágio ocorrido sábado (21) em Alecrim, no noroeste do Estado, dizimou as famílias de dois amigos de infância. Nascidos na comunidade de Lajeado Traíra, a 11 quilômetros da cidade, Siderlei Pimentel, 41 anos, e Jorginho Machado, 45, cresceram divertindo-se às margens do Rio Uruguai. No final de semana, as mesmas águas onde eles tanto pescaram acabaram ceifando a vida de ambos, das respectivas esposas e do pequeno Davi Pimentel, sete anos, filho único de Siderlei.
Filho de agricultores da região, Siderlei trabalhava havia cerca de 20 anos na linha de produção do frigorífico Alibem, em Santa Rosa. Atualmente, coordenava o setor de embutidos. Ele havia se mudado para a cidade no final da adolescência, tão logo concluiu o Ensino Médio. A então namorada, Noeli Ceconi da Silva, fez o mesmo caminho, ambos procurando oportunidade de trabalho no maior município da região, a 60 quilômetros do interior de Alecrim.
Em Santa Rosa, o namoro ficou sério, evoluindo para o casamento. Juntos, compraram carro, construíram a própria casa e, em 2015, tiveram Davi, o primeiro neto dos avôs paternos Pedro Pimentel, 66 anos, e Maria Ivone, 62. Aos finais de semana, viajavam com frequência para a terra natal, ficando ora em Lajeado Traíra, ora em Lajeado Pilão, onde moram os pais de Noeli.
Os passeios eram a alegria de Davi, que adorava andar a cavalo, jogar bocha e pescar no Rio Uruguai. Diarista e com 39 anos, Noeli havia perdido a mãe há pouco tempo, durante uma cirurgia, e aproveitava para ficar mais perto do pai. No final de semana passado, o casal recém havia entrado em férias.
— Eles não gostavam de viajar para fora. As férias deles eram aqui, fazendo o que mais gostavam, que era ficar no Interior, ao lado da família, pescando. O sonho dele era se aposentar e vir morar aqui. O Davizinho sempre dizia que um dia ia querer morar com a vó — lembra a irmã de Siderlei, Rosângela Pimentel.
Rosângela conta que, na tarde de sábado, eles almoçaram e depois foram tomar banho na margem brasileira do Rio Uruguai. Por volta das 15h, decidiram atravessar para o lado argentino, onde há uma ilha com praia de águas calmas e menos pedregosas. Segundo Rosângela, Sirderlei conhecia “as artimanhas do rio”, com suas corredeiras e um canal de correnteza mais forte em meio ao 1,2 quilômetro de largura.
No bote a remo, além de Siderlei, Noeli e Davi, embarcaram Jorginho, a esposa, Sinara Bogler Kuhn, a filha deles Emili Vitória Machado, a cunhada de Siderlei, Maria Graciela Lopes, e sua sobrinha, Araceli Lopes. Passava das 16h quando o grupo decidiu retornar a Lajeado Traíra. No entanto, uma tormenta se aproximava velozmente da região. A chuva e os fortes ventos acabaram virando o barco. Somente Maria Graciela, Emili e Araceli sobreviveram.
Aos 44 anos, Jorginho era aposentado por invalidez. Lesões em um joelho sofridas enquanto seguia carreira militar o impediram de seguir trabalhando. Natural de Alecrim, ele morava em Santa Rosa desde os 18 anos, quando se mudara para servir ao Exército.
Atualmente, ele e Sinara estavam no segundo casamento. Funcionário de um atacado de produtos alimentícios em Santa Rosa, Sinara tinha 47 anos e dois filhos do primeiro relacionamento. Jorginho também tinha um filho. Juntos, eram pais da pequena Emili, de quatro anos.
Eles estavam sempre juntos. Uns dias antes, ele tinha ajudado o Siderlei na reforma da casa. Pintaram umas paredes, fizeram uma obra por lá, e depois foram veranear juntos.
VALCIR MACHADO
Irmão de Jorginho Machado
A família estava de férias havia cerca de 10 dias. Na semana anterior, estiveram em Campo Bom, no Vale do Sinos, visitando a família de Jorginho. Nos últimos 20 anos, Jorginho cuidara da mãe, Olinda Machado, que morava com ele em Santa Rosa. No último ano, porém, a matriarca havia se mudado para Campo Bom, onde vivem outros quatro filhos. Após passar a semana ao lado dela e dos irmãos, ele foi para Alecrim, tomar banho de rio e pescar ao lado do amigo Siderlei.
— Eles estavam sempre juntos. Uns dias antes, ele tinha ajudado o Siderlei na reforma da casa. Pintaram umas paredes, fizeram uma obra por lá, e depois foram veranear juntos — conta o irmão de Jorginho, Valcir Machado.
Quando o bote afundou com as oito pessoas a bordo, a praia estava deserta. Morador da beira do rio, o comerciante Antônio Sérgio Meller se assustou com o temporal e lembrou ter visto, pouco antes, pessoas se banhando na ilha. Munido de um binóculo, passou a procurar pelos veranistas. Foi quando avistou pessoas se debatendo na água. Sem pestanejar, Meller pegou o próprio barco e saiu em socorro aos náufragos.
Segundo conta, Meller salvou primeiro Emili, que usava colete salva-vidas e estava agarrada ao corpo da mãe, Sinara, já falecida. Ele pegou as duas e depois conseguiu resgatar Araceli, de oito anos. Sem saber nadar, Araceli estava junto à tia, Maria Graciela, que se debatia tentando não se afogar. Depois de levar Maria, Araceli, Emili e o corpo de Sinara até a praia, Meller voltou para resgatar os corpos de Noeli e Davi, que também usava colete. Jorginho e Siderlei só foram localizados na segunda-feira (23), pelo Corpo de Bombeiros.
Estamos destruídos. Eram pessoas maravilhosas, cheias de sonhos e de vida, que faziam tudo para estar sempre em família e agora se foram para sempre.
ROSÂNGELA PIMENTEL
Irmã de Siderlei
Aos 40 anos, Graciela é cuidadora de idosos e casada com Rudinei Pimentel, irmão de Siderlei. Ela mora em Lajeado Traíra e estava recebendo Araceli em casa durante as férias da sobrinha, que mora na Argentina. Traumatizada pelo afogamento, ainda tem picos de pressão alta e dificuldade para dormir. A menina continua na casa da tia, a quem não quer abandonar. Já Emili, órfã de pai e mãe, deve ir morar com familiares maternos.
— Estamos destruídos. Eram pessoas maravilhosas, cheias de sonhos e de vida, que faziam tudo para estar sempre em família e agora se foram para sempre — lamenta Rosângela Pimentel.