Ao longo da última década, Livia Oliveira, 58 anos, imaginou diversas vezes como seria a vida do filho. Heitor Santos Oliveira Teixeira, 24, estava na reta final do curso de Economia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mas não chegou a concluir a graduação. Na noite desta sexta-feira (27), a mãe recebeu na Praça Saldanha Marinho uma fotografia que faz uma projeção de como seria a fisionomia do rapaz atualmente. A iniciativa faz parte do projeto Tempo Perdido, elaborado pelo coletivo Kiss: Que Não se Repita.
Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, quando teve início o incêndio, Heitor havia ido à Boate Kiss por volta da 1h30min para entregar alguns documentos para promoters da casa noturna, em razão de um trabalho que estava fazendo. Quando o fogo teve início, ele já havia deixado o prédio, mas o jovem decidiu retornar para ajudar a encontrar os amigos que tinham ficado lá dentro. Assim como outros que retornaram com esse mesmo intuito, não conseguiu sair com vida de lá.
— Hoje ele estaria com 34 e eu fico me perguntando se eu já teria netos, como estaria a vida dele, como estaria a nossa vida e são respostas que eu não vou ter. Talvez um dia quem sabe eu consiga entender isso de uma outra forma, mas enquanto isso sim é pensar nele, em luz, é tudo que eu desejo para meu filho hoje. Ele cumpriu a missão dele. É muito díficil. Tu te reconstrói todos os dias — desabafa a mãe.
O projeto realizado pelo coletivo tem como intuito permitir que esses familiares tenham um pouco de conforto e afeto. As projeções foram realizadas por meio do uso de inteligência artificial, a partir de fotografias das vítimas na época. Ao final do painel apresentado pelo coletivo nesta noite, cada familiar foi chamado para receber o quadro. Lívia ficou emocionada ao receber o presente.
— É lindo, é tudo que tu imagina. Eu realmente fiquei imaginando como meu filho estaria. E foi lindo, lindo, realmente me emocionou muito — disse.
A mãe diz que chega aos 10 anos do caso com um misto de sentimentos, que envolve a sensação de impunidade e por vezes de desrespeito com a dor das famílias.
— Por outro lado, tem aquela acolhida dos familiares, das pessoas, então é um sentimento que te divide de uma certa forma. São coisas que temos que conviver, com a injustiça. Por enquanto, é aguardar. Nós fizemos a nossa parte e continuamos fazendo, para que não caia no esquecimento e não se repita, que outros jovens não venham a perder suas vidas e outras mães não venham a chorar de saudade. É tudo que a gente não quer que aconteça — disse.
Outras vítimas retratadas
A jovem completou 22 anos em 24 de janeiro de 2013 e dois dias depois decidiu ir à boate Kiss para comemorar com amigas. Andri, como era chamada, foi à boate Kiss com um grupo de amigos, formado por Vitória Saccol, Flávia Torres, Gilmara Oliveira, Mirela Cruz, Merylin Camargo, Luana Facco Ferreira, Rafaela Cruz e Maike dos Santos. Só Rafaela e Maike sobreviveram. A jovem é filha Flávio da Silva, ex-presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), e de Ligiane Righi da Silva.
Acadêmico do curso de Ciências da Computação, aos 19 anos, era o orgulho dos pais Maria Aparecida, a dona Cida, e Cezar. Augusto era gremista e músico. No violão e na guitarra, gostava de tocar rock e música gospel. Os instrumentos foram retirados de dentro do armário dele no dia da tragédia e deixados à vista, no quarto, que segue do mesmo jeito que ele deixou naquele dia 26.
Aos 36 anos, era funcionária da boate Kiss. Trabalhava no local há cerca de dois anos como recepcionista. Aquela noite era o último dia de trabalho de Letícia na Kiss. Ela havia sido contratada por uma loja de roupas. Como trabalhava próximo à porta de saída, Letícia voltou ao interior da boate para orientar diversos jovens a saírem do local, já que muitos estavam indo em direção aos banheiros, onde a maioria das vítimas morreu. Dessa forma, acabou inalando muita fumaça e não sobreviveu.
Com 20 anos à época o incêndio na casa noturna, Lucas foi à Kiss com a namorada, Yasmim Müller, 19 anos, para comemorar o aniversário dela junto de amigos. Apaixonado pelas tradições gaúchas, Lucas conheceu Yasmim na loja de indumentárias tradicionalistas Casa do Gaúcho, em Santa Maria. No velório das vítimas no Centro Desportivo Municipal, uma foto de Yasmim chorando sobre o caixão junto ao chapéu de Lucas repercutiu no país inteiro.
Cursava o 2º semestre de Tecnologia dos Alimentos. Natural de São Gabriel, na Fronteira Oeste, ela não costumava sair em Santa Maria. Na semana anterior ao incêndio, Melissa estava na cidade natal e prometeu que voltaria na semana seguinte, para comemorar o aniversário da mãe, Mara.
Aos 20 anos, o estudante cursava medicina veterinária da UFSM. Callegaro estava na boate com a namorada, Ana Paula Anibaleto – que também morreu na tragédia –, e outros amigos colegas de curso. O grupo decidiu ir à Kiss após uma confraternização durante o dia 26. O acadêmico de medicina veterinário é filho único da professora Rosane Callegaro e do contador Paulo Regis.
A jovem tinha 18 anos em 2013, e atualmente estaria com 28. A filha era orgulho de toda a família, especialmente dos avós, que celebravam a entrada dela na faculdade de Filosofia um ano antes. Era também um espelho para a irmã mais nova, Camilly, que tinha 13 anos à época do incêndio.