A arrecadação com os autos de infração gerados pelos órgãos ambientais no Rio Grande do Sul caiu pela metade desde o início da pandemia. Junto a isso, o novo código ambiental trouxe uma outra situação em 2020 que não agrada algumas entidades ligadas ao tema: descontos oferecidos pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) vão de 50% a 90% nas multas aplicadas. Os dados foram obtidos por GZH por meio da Lei de Acesso à Informação.
Em 2021, foram 301 multas aplicadas por casos como caça e pesca predatórias, invasão de áreas nativas, manter animais em cativeiros ou problemas com licenciamentos. O número é 53,9% menor do que as multas de 2020 e 58% inferior ao que foi gerado em 2019.
A secretária da Sema, Marjorie Kauffmann, diz que o fato de as autuações terem diminuído não significa que houve redução das fiscalizações. Isso porque a pasta manteve, mesmo durante a pandemia, o trabalho normal de toda a equipe de fiscalização e de emergência ambiental, segundo a Sema. Marjorie traz outras justificativas para a diminuição de multas aplicadas:
— Poderia se atribuir, por exemplo, a uma redução da atividade normal da vida humana pelos protocolos de proteção (contra a covid-19), pela redução das próprias indústrias na sua capacidade produtiva. A gente teve, de fato, uma parada que teve reflexos no meio ambiente porque todas as pessoas reduziram as suas atividades. As nossas ações essenciais foram mantidas.
A secretária afirma, ainda, que a redução é relativa, principalmente na fiscalização da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), que tem o maior número de ações e que são mais direcionadas a licenciamentos ambientais. Marjorie destaca também que as atividades que geram multas estão ligadas ao Sistema Estadual de Proteção Ambiental (Sisepra), com trabalho que conta ainda com a própria Sema, Comando Ambiental da Brigada Militar (CABM) e os municípios.
Descontos, parcelamentos e recursos
Ainda no que diz respeito à arrecadação da Sema, atualmente, 154 multas não foram quitadas porque há recursos em andamento desde 2017. No entanto, a secretaria confirmou que já foram pagos R$ 4,1 milhões vinculados a 945 multas que estavam pendentes no sistema também desde 2017. Deste total, R$ 2,5 milhões já estão nos cofres públicos do Estado para serem revertidos em ações ambientais e outros R$ 1,6 milhão estão sendo pagos de forma parcelada.
Além disso, a Sema trabalha com descontos que podem chegar a 90% para evitar prescrições no caso de uma pessoa ou empresa que tenha recebido um auto de infração. Nenhuma multa prescreveu nos últimos cinco anos, como ocorreu no caso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Estado.
A secretária argumenta que o órgão estadual investe não só na fiscalização, mas em novas tecnologias e no fortalecimento das parcerias com outros órgãos do setor e com prefeituras. Ela diz que o objetivo principal é aprimorar o sistema de licenciamento dentro de uma rede de proteção ambiental.
— Nosso sistema é um dos mais avançados do país. O SOL (Sistema Online de Licenciamento) é uma ferramenta de 2017 e por ela se faz solicitação de processos de licenciamento ou convênios, sempre com retornos por essa plataforma. E, a partir do último ano, passou a receber também as denúncias ambientais, encurtando os caminhos entre o denunciante e o fiscalizador. A ferramenta precisa ser atualizada e aperfeiçoada constantemente para ser útil e não perder efetividade, já que uma das nossas principais ações é o licenciamento — explica Marjorie.
Como os órgãos atuam
No Rio Grande do Sul, as multas podem ser aplicadas pela Sema por meio de amostragem, mas há, ainda, vínculos com municípios, com a Fepam, o CABM e a Delegacia do Meio Ambiente (Dema) da Polícia Civil, além de outras delegacias que possam eventualmente atuar nessa área.
É pelo Sisepra que todos estes órgãos se unem na fiscalização. Depois que a notificação é feita a uma pessoa ou a uma empresa, faz parte do processo o encaminhamento da multa para uma junta de julgamento em comum entre estas entidades.
A titular da Dema, delegada Marina Goltz, lembra que a delegacia faz parte do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil e explica que uma infração ambiental pode gerar três consequências para o infrator:
— Ela pode gerar uma consequência na esfera cível, com a obrigação de reparar o dano ambiental, ou ainda uma consequência na área administrativa, através da aplicação de multas ambientais pelos órgãos responsáveis pela fiscalização.
A delegada ressalta que há a esfera criminal, quando se responde por algum tipo de delito. Nas três situações, os notificados têm 10 dias para se manifestarem e contestarem o auto de infração. Se nesse prazo a multa for paga, o desconto é oferecido.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público (MP), promotor Daniel Martini, ressalta que os órgãos estaduais têm diferenças na comparação com seus equivalentes ambientais federais.
— Uma das estratégias que o Estado adota de fato é dar desconto para o pagamento das multas, desde que o infrator repare os danos ambientais etc. E esse desconto pode chegar a 90% em algumas situações. É um desconto bastante elevado que, ao fim, ao cabo, a própria cobrança da multa acaba por vezes entrando naquela hipótese em que a Procuradoria do Estado tem autorização para não cobrar porque o processo para cobrança custa mais caro do que o próprio valor recuperado — explica Martini.
A Fepam salienta que tem feito parcerias nas fiscalizações, como por exemplo com o MP, e obtido valores que acabam virando recursos recolhidos por cada dano ambiental flagrado e combatido por meio de autuações.
Da multa à recuperação de danos ambientais
A recuperação do dano ambiental é inegociável, segundo a Sema. Quanto ao pagamento da multa, mesmo com os descontos oferecidos após um auto de infração ambiental, as pessoas físicas ou jurídicas notificadas podem optar por recorrer. Neste caso, um processo administrativo será aberto e novos prazos serão estipulados. E é nessa etapa posterior à aplicação de sanções a quem comete crimes ambientais que estão as 154 multas que têm recursos em andamento no Rio Grande do Sul e que atrasam, em parte, o processo que tenta impedir a impunidade. É o mesmo processo que ainda tenta estimular a consciência ambiental e direcionar a verba obtida de um dano à natureza para a preservação ecológica.
Toda a verba referente a danos ambientais vai para o Fundo Estadual do Meio Ambiente – conhecido como Fema. Há um conselho próprio que autoriza o uso desses recursos para recuperação de danos ambientais em unidades de conservação.
As montanhas de lixo que geramos e descartamos de forma irresponsável, as lacunas gigantescas que ainda temos no esgotamento sanitário urbano, a alienação generalizada que existe em relação à natureza escancaram o quanto ainda temos que investir esforços em educação ambiental
LARA LUTZENBERGER
Bióloga e responsável pela Fundação Gaia
Para a bióloga e responsável pela Fundação Gaia Lara Lutzenberger, filha do pioneiro da ecologia no Estado José Lutzenberger, a educação da população é outro ponto que precisa ser priorizado para reverter os danos ao meio ambiente.
— Há inúmeros fóruns e iniciativas formais e informais para reforçar a educação ambiental. Mas as montanhas de lixo que geramos e descartamos de forma irresponsável, as lacunas gigantescas que ainda temos no esgotamento sanitário urbano, a alienação generalizada que existe em relação à natureza escancaram o quanto ainda temos que investir esforços em educação ambiental — explica.
Já o especialista em análise de impactos ambientais Francisco Milanez, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), cobra uma participação mais direta e urgente de toda a sociedade no Rio Grande do Sul.
— A educação ambiental não pode ser o que muitos municípios aí fazem, por pouca visão. Não se pode culpar, são bem intencionados, mas é necessária uma educação tarefeira, ou seja, separar lixo. Isso tudo é obrigação civil, não devia nem estar na educação, isso devia ter multa para quem não faz. Nós temos que ir muito além — ressalta.