As férias no Rio de Janeiro se transformaram em momentos de pânico para o casal de gaúchos Fernanda e Anderson Leite. O primeiro-sargento do Exército, 44 anos, e a esposa empresária, de 29, estavam visitando o Museu Imperial de Petrópolis, na terça-feira (15), quando foram surpreendidos pela enxurrada que matou até agora 105 pessoas.
Eles conseguiram deixar o museu às pressas, mas acabaram ilhados numa zona elevadiça da cidade enquanto 250 milímetros de uma chuva devastadora desabava do céu, arrastando prédios inteiros num mar de lama. Por cerca de seis horas, ficaram dentro de um Chevrolet Prisma cujo motorista haviam contratado para a viagem desde a capital fluminense.
Sem internet e com a cidade às escuras, só conseguiram sair do local por volta das 23h, após a água baixar. Todavia, a tranquilidade só veio no começo da madrugada, já de volta ao Rio e quando conseguiram falar com os filhos Fernando, de oito anos, e Rafaela, de quatro, que ficaram em São Gabriel com os avós.
Confira abaixo a entrevista concedida à GZH:
Quando vocês perceberam que estavam em meio a um temporal daquela dimensão?
Chegamos em Petrópolis por volta das 14h e estava nublado. Fomos conhecer o hotel Quitandinha, muito luxuoso, e já estranhamos porque começou a garoar e os seguranças não deixaram tirar fotos em um lago bonito que tem ali na frente, por causa da instabilidade do tempo. Dali fomos pro museu, mas no caminho minha mulher teve uma intuição. Quando chegamos, ela percebeu que tinha muito declive, muita construção em pé de morro. Ela se assustou e perguntou ao motorista o que acontece quando chove. Ele disse que alagava tudo.
Até então não estava chovendo forte?
Não. Tanto que eu estava bem tranquilo no museu, lendo as plaquinhas, e de repente ela começou a me apurar para ir embora. Foi quando notei que os seguranças estavam fechando as janelas, porque estava entrando água. Quando a gente saiu, estava desabando um dilúvio. Achamos umas capas de chuva na lojinha do museu, chamamos o carro mas só no caminho já ficamos todos molhados.
Como vocês saíram dali?
O motorista foi um dos responsáveis por termos nos salvado. Quando a gente saiu pela rua detrás do museu, já dava para ver o rio querendo transbordar. Ele fez uma manobra, pegou outra rua e foi o máximo que pode para cima. Quando ele conseguiu subir, estourou o rio. A gente desceu, olhou para trás e o rio estava alagando tudo, estourando os carros, por cima de tudo. Isso era onde a gente estava há dois minutos.
Foi ali que vocês ficaram?
Sim. Era uma quadra só, no máximo cem metros com três colunas de carros. Todo mundo que conseguiu ficou ali, com um carro encostado no outro. Quem não conseguiu chegar, o rio levou, carro, ônibus, tudo. Lá atrás, tudo alagado pelo rio, e na frente da quadra passava uma enxurrada levando tudo. Tinha mais de cem pessoas, muita gente que estava indo buscar os filhos no colégio e não conseguiu. Chegamos por volta das quatro e meia da tarde e ficamos até depois das dez da noite.
Choveu o tempo todo?
Enquanto estávamos ali, choveu durante umas três horas. Minha mulher rezou, a gente pensava só nos nossos filhos. A gente queria sair logo dali para ligar para casa, mas ficamos sem internet, a cidade ficou toda no escuro, com a energia caindo e voltando. Dali a gente ficava só observando o nível da água, cuidando a correnteza. Foi providência divina, porque era praticamente a única rua que não foi atingida e nós ficamos no ponto mais alto.
Como foi a saída?
Quando a água baixou, conseguimos passar. Foi quando tivemos noção maior do desastre. O trajeto até a BR dava sete quilômetros e levamos uma hora e meia para passar. Era cenário de guerra. Ambulância correndo para lá e para cá, muito barro, as pessoas chorando na rua, muita murada de casa desabando, carros dentro do rio, em cima de árvore, encostado em poste, virado. Muito desespero. Conseguimos retornar para o Rio e praticamente não dormimos. Falamos com a família e fomos consultar as notícias. Só então soubemos das mortes e nos demos conta de que havíamos nascido de novo.