Por um turno, os trabalhadores do aterro sanitário de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, dedicaram esforços para encontrar no lixo o sustento que não lhes pertencia. Descartada por engano, uma sacola carregava R$ 4 mil em espécie, dinheiro que pagaria as contas do minimercado de José Roque de Lima, 56 anos.
— O Roque veio aqui desesperado, dizendo que tinha jogado a sacola no lixo. Mas, sinceramente, eu achei que a gente não ia mais encontrar. Passa muito resíduo por aqui — relembra Wesley Zaqueu Soares, 20 anos, terceirizado da prestadora de serviços Onze.
O jovem atua na manutenção e limpeza da Central de Resíduos da Roselândia, mas, na última terça-feira (4), quando o dinheiro foi jogado fora, trabalhava no transbordo dos caminhões. Mesmo já descrente, foi ele quem encontrou o saco recheado com as cédulas, pouco antes de o pacote ir para as esteiras de seleção.
— Na hora que encontrei, eu só pensava no desespero do senhor, que tinha separado o dinheiro para pagar as contas. Honestidade aprendi com minha família. Espero que seja um exemplo para um 2022 melhor — disse ao vivo no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta quinta-feira (6).
Diariamente, passam pelo local 180 toneladas de descartes. Roque, como o microempresário dono do dinheiro é conhecido no bairro Canudos, começou a vasculhar o lixo por volta das 10h. Segundo a recicladora Tassia Rodrigues, 35 anos, ele negou o convite para almoçar na cooperativa e só interrompeu a procura no início da tarde, já exausto e sem esperanças. Pouco depois, as notas seriam encontradas por Wesley.
Começava, naquele momento, outro desafio: localizar Roque, que saiu do aterro sem deixar um telefone de contato.
— Ligamos para o mototáxi que trouxe ele, mas o rapaz não atendeu. Aí os guris que fazem a coleta pegaram a moto e foram lá no bairro Canudos, acharam o mercadinho e trouxeram ele pra cá — explica Tassia.
Tassia é coordenadora da cooperativa Coolabore. Conta que, com a reciclagem, mantém há uma década a casa e os três filhos.
— É um trabalho pesado, sujo, mas digno. E a gente vê aumentar, ano a ano, o descarte incorreto. A gente se corta, se machuca, se expõe. Mas ninguém pensa em pegar algo que não é seu — garante, ao falar sobre o dinheiro.
Naquele mesmo dia, no pavilhão, Roque encontrou novamente os 70 recicladores que, sem exceção, ajudaram na busca. Contou mais uma vez como perdeu a sacola, agradeceu e posou para fotos com a equipe.
— Foi um grande susto, mas graças a Deus eu consegui recuperar. Vou conseguir pagar meus boletos — reforçou.
Wesley recebe, mensalmente, pouco mais de um salário mínimo para uma função das 7h às 16h. À noite, frequenta um curso de gastronomia, mas admite que a meta é usar a futura formação técnica para acesso a outra profissão: quer ser policial rodoviário federal.
Nos galpões, o caso é contado com orgulho por todos. A opinião sobre o destino do dinheiro também se mostra unânime.
—O que não é nosso tem que ser devolvido — resume a recicladora Adriana da Veiga, 31 anos.
— É um exemplo, importante para mostrar a todos nossa honestidade — complementa Cristiano da Silva Onofre, 36.