Responsável por conferir à Arquidiocese de Santa Maria o status de referência internacional em economia solidária, a irmã Lourdes Dill está sendo transferida para o interior do Maranhão. A súbita mudança após 34 anos de atividade na cidade da Região Central está provocando reações nos circuitos social, religioso e político no município gaúcho.
O anúncio correu na última terça-feira (21) e surpreendeu muita gente em Santa Maria, dando origem a especulações sobre os motivos da transferência, principalmente em razão da proximidade da religiosa com os movimentos sociais e partidos de esquerda.
A transferência é atribuída à congregação da qual ela faz parte, Filhas do Amor Divino. Em rápida conversa telefônica com GHZ, a religiosa se disse comovida pelas demonstrações de carinho nas redes sociais, mas disse que não pretende falar sobre o assunto.
— Neste momento, prefiro silenciar. Está havendo muito burburinho na imprensa e nas redes sociais, mas peço que me permitam o silêncio. Só quero desejar um Feliz Natal e um 2022 abençoado a todo mundo — disse irmã Lourdes.
Aos 70 anos e natural de São Paulo das Missões, no noroeste do Estado, irmã Lourdes chegou a Santa Maria em 1987, a convite do então bispo local Dom Ivo Lorscheiter. Desde então, coordena ações de cunho social, sobretudo junto a pequenos agricultores.
No ano passado, foi eleita Mulher Transformadora 2020 pelo Conselho Federal de Economia, em reconhecimento a sua atuação em projetos de cooperativismo e economia solidária. Somente uma das iniciativas que ela coordena em Santa Maria, a Feira Internacional de Cooperativismo, reuniu mais de 300 mil pessoas na última edição, em 2019.
No vídeo em que o arcebispo de Santa Maria, dom Leomar Brustolin, anuncia a transferência para o Maranhão, irmã Lourdes se diz “tranquila depois de muitas reflexões” e ressalta ter certeza da continuidade dos projetos sociais nos quais atua. Desde agosto à frente da arquidiocese local, dom Leomar afirma que a religiosa teve liberdade de conduzir a transição e escolheu pessoas da própria confiança para coordenar iniciativas como o Projeto Esperança/Cooesperança e o Feirão Colonial.
O arcebispo assegura que jamais sofreu pressões para transferir a religiosa e diz que nem sequer tem autonomia para tanto.
— A decisão da transferência é da congregação Filhas do Amor Divino. A madre superiora diz que desde 2007 estão conversando sobre isso porque faz muito tempo que irmã Lourdes está em Santa Maria. Elas protelaram a decisão porque os projetos sociais precisavam ser consolidados e a irmã precisava preparar sucessores. Vejo um movimento muito positivo na cidade em torno desses projetos e a mim nunca ninguém veio reclamar. Nunca houve pressão alguma — diz dom Leomar.
Em conversas reservadas, irmã Lourdes tem dito a interlocutores que realmente as conversas sobre uma transferência são antigas e que pelas regras da Igreja já deveria ter mudado de diocese há bastante tempo. Ela também confirma ter escolhido o sucessor, o feirante José Carlos Peranconi, o Zeca, que desde 1989 atua nos grupos locais de economia solidária.
Irmã Lourdes permanece em Santa Maria até 2 de abril, quando haverá uma grande despedida durante as comemorações pelos 30 anos do Feirão Colonial e os 34 anos do Projeto Esperança/Cooesperança. Na sequência, ela segue viagem para Barra da Corda, município de 88 mil habitantes situado a 450 quilômetros de São Luiz, capital do Maranhão, onde deverá conciliar as atividades ligadas à economia solidária com ações voltadas à comunidade indígena.
— Irmã Lourdes deixa um legado gigante em Santa Maria. Quero agradecer de coração tudo que ela fez pela cidade, principalmente no cooperativismo e na agricultura familiar. Independentemente das suas posições políticas, as quais respeito e que jamais deixei influenciar na nossa relação, aprendi demais com a irmã Lourdes, e a prefeitura seguirá apoiando os programas, agora a cargo do Zeca — garante o prefeito Jorge Pozzobom.
Em nota, o ex-prefeito e deputado estadual Valdeci Oliveira (PT) também lamentou a transferência. “O sentimento é de absoluta tristeza. Por conviver e aprender durante muito tempo com a Irmã, lamentamos muito o afastamento do nosso município de alguém que jogava sempre a favor da transformação social, da humanização e da dignidade de todos e todas”, escreveu Valdeci.