Esta reportagem foi produzida por Jovana Dullius, aluna de Jornalismo na UFRGS e vencedora da edição 2021 do projeto Primeira Pauta RBS, uma iniciativa do Grupo RBS.
Foi com a força de outras mulheres que Tainara Araújo da Luz, 26 anos, conseguiu se desvencilhar de um relacionamento abusivo. A jovem conhecia o Centro de Triagem da Vila Pinto, no bairro Bom Jesus, zona leste de Porto Alegre, desde a infância, mas só o procurou seis anos atrás. Vítima de violência doméstica, com Ensino Fundamental incompleto e um filho de um ano, Tainara viu no local um espaço para mudar de vida. Logo que começou a trabalhar, descobriu com outras mulheres que poderia se defender das agressões.
— Conversei com elas, descobri a Lei Maria da Penha e ganhei o apoio que eu não tive da minha família — explica.
Tainara é uma das 24 integrantes do projeto. O local existe desde 1996 e foi criado por um grupo de mulheres da comunidade, todas em situação de vulnerabilidade. Pela reciclagem, elas encontraram uma forma de transformar a condição de pobreza e escapar da violência.
Hoje o local faz parte do Centro de Educação Ambiental da Bom Jesus, oferece creche, atividades culturais e serviços para crianças, adolescentes, adultos e idosos moradores da região. Há também ajuda psicológica profissional.
— Eu ia continuar vivendo apanhando. Depois que eu comecei a trabalhar aqui, vi que a mulher tem a força pra querer tudo sozinha. Trabalhando tu pode alugar uma casa, tu pode sustentar teu filho. Antes eu ficava atirada sozinha pensando: "Se eu me separar, o que vai ser do meu filho?" — relembra.
Os casos vistos na comunidade representam um pequeno percentual dos 37,8 mil registros de violência doméstica contabilizados pela Polícia Civil até setembro de 2021, no Rio Grande do Sul, segundo o levantamento mais recente do governo do Estado. Apesar da redução em 6% no total de denúncias, em comparação ao mesmo período do ano passado, os feminicídios aumentaram de 62 para 78, o que representa um crescimento de 25%. De acordo com a titular da Delegacia da Mulher, Jeiselaure de Souza, a alta é alarmante: a diminuição no total de registros, aliado ao aumento de mortes, pode significar que elas estejam procurando menos as autoridades.
Entre as mulheres que conseguiram se desvencilhar de relacionamentos abusivos, está Sirlei Batista de Souza, de 46 anos. Há duas décadas no projeto, é atualmente coordenadora de operações. Na época, ela deixou o pai dos seus filhos e encontrou na reciclagem uma fonte de renda para o sustento das cinco crianças. Quando começou a trabalhar no local tinha 26 anos de idade e somente o 7º ano escolar.
— Eu comecei a trabalhar, comecei a me empoderar. Hoje, depois de 20 anos, terminei a escola, o Ensino Médio e tô no segundo semestre de Gestão Ambiental. Essa é a verdadeira mudança: tu querer mudar, e eu quis — conta a recicladora.
Hoje, toda a sua família trabalha ou estuda no Centro: Miguel, de 15 anos; Bruno Rafael, 18; Ketlin Mikaela, 20; Ângela Gabrielle, 22, e Ana Paula, 27 anos — a mais velha, professora no projeto.
— Isso aqui transformou a minha vida em todos os sentidos — diz Sirlei, emocionada, com orgulho dos filhos.