Assim que as primeiras imagens do Cristo Protetor de Encantado, com 39 metros de braços abertos sobre o Vale do Taquari, correram o mundo, uma torrente de otimismo — e de orgulho — se espalhou pelas ruas bem cuidadas do município de 22,8 mil habitantes.
Por trás das mais de mil toneladas de ferro, concreto, vigas metálicas, madeira e argamassa que começam a dar forma ao monumento, está uma mobilização comunitária incomum, movida pela fé, por um histórico de união e pela busca de saídas para a crise.
A história da estátua em construção no Morro das Antenas, a 418 metros de altitude, remonta a 2016. Naquela época, Adroaldo Conzatti, eleito para comandar a prefeitura pela terceira vez, decidiu levar adiante a ideia, que já vinha arquitetando há anos. Conzatti acreditava que o projeto teria potencial para transformar a localidade, atraindo visitantes e movimentando a economia, e insistia: a obra deveria ser encampada pelo setor privado, sem um centavo de dinheiro público.
Passaram-se três anos até que o projeto começasse a se tornar realidade, do jeito que Conzatti queria. Em março de 2019, um grupo de moradores doou a área para a edificação. Com a decisão, os irmãos Cleber e Érico Talini, proprietários de uma empresa de ônibus, e os parceiros Luiz Pedro Radaelli e Valdecir Camargo, donos de oficinas mecânicas, deram o passo inicial para a concretização do sonho.
— Em Encantado, a gente se junta e faz acontecer. Sempre foi assim — resume Camargo, mais conhecido como Gigi.
Isso se repetiu em diferentes momentos da história do município, desde a chegada das primeiras 10 famílias de imigrantes italianos, no fim do século 19. Mais recentemente, a capacidade de união da comunidade tornou possível a reforma da igreja matriz (é possível ver os nomes das famílias doadoras sob os vitrais) e a ampliação do hospital municipal, incluindo a abertura de uma UTI.
Motivado por esses exemplos, Conzatti chamou empresários, comerciantes e profissionais liberais e pediu para que liderassem a instalação do monumento. Eles aceitaram o desafio e criaram a Associação Amigos de Cristo. Sem fins lucrativos, o órgão ganhou CNPJ próprio e passou a ser responsável por captar recursos e tocar o empreendimento.
— É uma turma muito comprometida, que pega junto. Aqui, a gente leva isso a sério — reforça Horacio Marins, o Pelé, presidente da associação e proprietário de uma empresa de terraplenagem.
Na largada, a entidade conseguiu cerca de R$ 500 mil em doações, o que possibilitou o início dos trabalhos, em julho de 2019, com empresas e mão de obra da região. A partir daí, os serviços fluíram até março de 2020, quando foi preciso parar por seis meses em razão do agravamento da pandemia.
Em outubro passado, para garantir a continuidade do projeto, a associação decidiu fazer um empréstimo de R$ 1,5 milhão junto ao Sicredi. Nove membros do grupo foram avalistas do financiamento.
— Fizemos isso porque era um momento complicado para seguir pedindo ajuda a doadores e não queríamos desmobilizar o canteiro de obras — explica Ricardo Fontana, tesoureiro da associação e dono de uma fábrica de produtos de limpeza e higiene.
Reeleito em 2020, Conzatti acompanhou tudo de perto, mas, por uma tragédia do destino, acabou morrendo em março deste ano, após cair e bater a cabeça. A morte foi um baque em Encantado. O legado se perpetuou.
— Meu pai sempre foi um visionário. Tenho certeza de que está nos olhando lá de cima e comemorando toda a repercussão que conquistamos nas últimas semanas. Ele já previa isso — emociona-se Gilson Conzatti, filho do falecido prefeito.
Repercussão, aliás, que ultrapassou as fronteiras do Brasil. Desde que o Cristo Protetor recebeu cabeça e braços, no dia 6 de abril, Encantado foi parar em jornais de países como Itália, Portugal, Holanda, Japão, Reino Unido e Israel, e as doações, que já haviam sido retomadas, cresceram ainda mais. Hoje, com o auxílio dos benfeitores, a associação consegue cobrir praticamente toda a parcela mensal de R$ 10 mil do empréstimo.
Há quem doe quantias pequenas, de R$ 2, R$ 5 ou R$ 10, e quem ofereça mais, como o caso de uma empresa que destinou R$ 100 mil ao Cristo. E há ainda uma rifa sendo vendida, com cupons a partir de R$ 1 mil e sorteio de uma caminhonete previsto para dezembro. Os papéis são oferecidos de porta em porta. Quem pode, ajuda.
— Meu pai comprou a rifa. Graças à obra, consegui emprego como vigia do Cristo e estou muito bem. O Cristo é a esperança de dias melhores para nós. E é bonito demais — diz o vigilante Anderson Dörr.
Benefícios esperados e resposta aos críticos
Presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat) e integrante da Associação Amigos de Cristo, Luciano Moresco resume os motivos pelos quais a comunidade decidiu apostar na obra.
— Além da questão do desenvolvimento econômico, tem o lado da espiritualidade e da religiosidade. Isso é fundamental neste momento difícil que vivemos. A pandemia trouxe muitas perdas — ressalta.
Proprietário de um restaurante no centro da cidade, Mateus Lorenzon endossa a opinião. Ele está ajudando a vender rifas e tem a expectativa de melhorar de vida.
— Penso em ampliar o restaurante ou em abrir uma filial lá em cima (perto da estátua). Já vi alguns terrenos. Tenho 33 anos, saúde e muitos anos de vida pela frente para trabalhar duro — diz Lorenzon.
Basta uma caminhada pelas ruas para ouvir comentários semelhantes. As pessoas vislumbram no empreendimento uma alternativa à crise. Veem o Cristo como uma promessa de alívio no período pós-pandemia.
— É algo maior. Não é uma obra qualquer. As pessoas perceberam isso — destaca Letícia Bratti, membro da associação e gerente de uma indústria têxtil.
Ainda assim, a comunidade não escapou de críticas. As notícias veiculadas levaram a questionamentos, principalmente nas redes sociais, sobre a prioridade dada à construção e a origem dos recursos.
— Os críticos dizem: ah, tem de investir na luta contra a covid. Ou então: por que priorizar uma estátua, se tem tanta gente precisando de UTI? Aqui, mesmo sendo um município pequeno, nós temos UTI. E já vacinamos 25% da nossa população. Não se está jogando dinheiro fora. Estamos fazendo um investimento. Nada tem a ver com recursos públicos — reforça o prefeito de Encantado, Jonas Calvi.
Desafios e próximos passos
Antes mesmo da conclusão da obra, a movimentação de curiosos na região já aumentou — no último fim de semana, cerca de 200 pessoas, de diferentes cantos do Estado, tentaram se aproximar da imagem de Jesus. Mas ainda há uma série de desafios pela frente.
O primeiro deles é concluir a construção da estátua, cuja supervisão é de Artur Lopes de Souza, 64 anos. Com mais de quatro décadas de experiência em barragens, viadutos, pontes e rodovias, o morador de Encantado sabe de cor os números da obra e responde com paciência e bom humor a todas as perguntas de jornalistas afoitos. Seu Artur, como é chamado por todos, torce para que o tempo ajude: ele tem a meta de terminar o monumento até o Natal.
— Espero que a gente consiga. É uma honra fazer parte dessa iniciativa. Eu já fiz de tudo, mas construir Cristo é a primeira vez — brinca Souza.
Ao lado dele, Arlindo Parecy, 51 anos, é o encarregado de produção. No momento, ele coordena a instalação de andaimes e madeiramento para que o escultor responsável, Markus Moura (leia mais a seguir), continue o trabalho.
— Está sendo um desafio, mas também um prazer — garante Parecy.
Outros dois obstáculos a superar, a partir de agora, envolvem a preparação da região para receber os turistas e a finalização da infraestrutura complementar à obra, o que inclui acesso asfaltado (hoje, são 2,5 quilômetros de estrada de chão), banheiros e estacionamento.
Na última quarta-feira (14), o prefeito e dois integrantes da associação estiveram no Palácio Piratini para conversar com o governador Eduardo Leite sobre o assunto. Ficou definido que técnicos do Sebrae e da Secretaria de Turismo irão auxiliar na capacitação da população e que funcionários do BRDE e do Badesul apresentarão linhas de crédito aos interessados.
É possível, ainda, que o governo do Estado inclua a obra de ligação asfáltica em um programa de pavimentação voltado aos municípios, prestes a ser lançado.
O artista
O responsável pela imagem do Cristo Protetor de Encantado é o escultor Markus Moura, 40 anos. Nascido em Fortaleza (CE), ele aprendeu o ofício com o pai, Genésio Gomes Moura.
Markus conta que começou na profissão ajudando o velho mestre em obras para o Beto Carreiro World e diz que, desde então, não parou mais. A família tem no currículo monumentos erguidos em diferentes regiões do país, inclusive outros Cristos — entre eles, segundo Markus, o Cristo Luz, de Balneário Camboriú.
Uma de suas principais preocupações foi o rosto do Jesus encantadense. Aconselhado pelo pai, ele relata que procurou esculpir feições serenas e fortes.
— Estou muito feliz com o resultado até aqui. Agora, estou esperando o preparo dos andaimes para prosseguir no trabalho e concluir a roupa, que será mais fácil — diz o artesão.
Como ajudar
Quem quiser contribuir com a obra, pode doar qualquer valor
Banco Sicredi
Agência: 0136 - Conta corrente: 05567-5
Razão Social: Associação Amigos de Cristo de Encantado
CNPJ: 33.302.974/0001-89
Pix: usar como chave o CNPJ acima
Mais informações: cristoencantado.com.br