Dispostos a não deixar o incêndio da boate Kiss cair no esquecimento, pais de vítimas e sobreviventes encerraram, na noite desta segunda-feira (27), os atos em memória dos sete anos da tragédia. Sob uma tenda erguida na Praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria, o grupo participou de uma roda de conversa, assistiu a palestras e a uma homenagem musical. Compartilhou, mais uma vez, a dor da perda.
Intitulada "Janeiro 27 - Sem justiça não há futuro", a programação começou na noite do último domingo (26) com uma vigília em frente ao que restou da casa noturna. Cansados da impunidade, os participantes exigiram punições pelas mortes de 242 jovens e pronunciaram em voz alta os nomes dos que se foram.
Passados sete anos, nenhum responsável está preso e o julgamento dos quatro réus do caso, previsto para começar em 16 de março, está no centro de um imbróglio jurídico.
Nesta segunda-feira, o dia foi voltado à reflexão e a troca de experiências. Ao microfone, pais e sobreviventes conversaram sobre seus sentimentos e ressaltaram a importância da campanha Janeiro Branco, dedicada à saúde mental. Em seguida, acompanharam as falas de Jorge Brandão, do Centro de Valorização da Vida, e de Fabrício Carpinejar, escritor e colunista de GaúchaZH.
— Eu vim, porque aqui, eu sei que as outras mães sentem o mesmo que eu sinto. Sei que não vou ser criticada por exigir justiça — disse Veleda Ames, 57 anos, que perdeu um filho na catástrofe.
Justiça é o que todos querem, mas os pais já não contam com a solidariedade de outrora. Em Santa Maria, muita gente quer virar a página e virou as costas para as famílias impactadas pelo desastre.
— As pessoas, infelizmente, ainda não entenderam que não lutamos apenas por nós e pela memória dos nossos filhos. É pela sociedade, para que não se repita. Se não houver punições, quem garante que não vai acontecer tudo de novo? — questionou Maria Aparecida Neves, 61 anos.
Aos gritos, em um desabafo comovente diante do grupo, Carpinejar respondeu à dúvida de Cida, que perdeu Augusto, aos 19 anos, com toda uma vida pela frente.
— O que podemos fazer é não deixar de protestar, de gritar, mesmo que isso pareça loucura. Quem vive uma impunidade de sete anos, enlouquece sim. Mas não foi em vão. Não será em vão — concluiu o escritor.
Quem são os réus e qual é a acusação
- Os réus no processo criminal que apura as circunstâncias do incêndio na Boate Kiss são os sócios da casa noturna, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Bonilha Leão (ajudante).
- Os quatro respondem a ação penal por 242 homicídio e por 636 tentativas, como dolo eventual (quando se assume o risco de matar).
Entenda as últimas decisões da Justiça
- Em outubro de 2019, o juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, determinou que os quatro réus do caso fossem julgados em Santa Maria, em dois júris, marcados para 16 de março e 27 de abril de 2020.
- Em dezembro, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) decidiu que Elissandro Spohr, o Kiko, seria julgado em Porto Alegre, em data a ser definida, atendendo a pedido da defesa. O advogado Jader Marques argumentou que o desaforamento (transferência para outra comarca) evitaria tumultos e garantiria imparcialidade ao júri.
- Na mesma decisão, a 1ª Câmara do TJ definiu que outros três acusados teriam júri conjunto em Santa Maria.
- Em janeiro deste ano, o juiz Louzada confirmou a data do julgamento dos acusados Luciano Bonilha Leão, Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Hoffmann em 16 de março de 2020. O júri será no Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), às 10h.
- No mesmo dia, a defesa de Santos pediu para que, como Kiko, ele seja julgado em Porto Alegre. O pedido foi negado em caráter liminar e deve entrar na pauta da 1º Câmara do TJ. Não há data definida.
- Na última terça-feira (21), o Ministério Público entrou com recurso solicitando que Kiko seja julgado em Santa Maria, junto dos outros três réus, mantendo a data prevista (16 de março). O pedido foi feito à 2ª Vice-Presidência do TJ, para que seja remetido ao Superior Tribunal de Justiça.
- Por meio de nota, o advogado de Kiko lamentou o fato e declarou que "a possibilidade de julgamento ainda neste primeiro semestre de 2020 tornou-se impossível".
- Na última quarta-feira (22), foi a defesa de Hoffmann que ingressou junto ao TJ com pedido de desaforamento, negado em caráter liminar. Agora, deve entrar na pauta da 1ª Câmara do TJ. A defesa de Hoffmann também aguarda julgamento do recurso que moveu junto ao STF contra a decisão que levou os réus a júri.