A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou nesta terça-feira (2) a abertura de processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella (PRB). Foram 35 votos a favor da abertura e 14 contrários. Crivella permanece no cargo até o fim da análise da denúncia.
Uma comissão com três vereadores será formada e terá três meses para concluir o processo e submetê-lo ao plenário. O prefeito só deixa o cargo se for considerado culpado por dois terços dos vereadores, que seriam 34 dos 51 membros.
Crivella é acusado de renovar de forma ilegal dois contratos de concessão de publicidade no mobiliário urbano como pontos de ônibus e relógios. O contrato terminaria neste ano, mas em dezembro de 2018 a Secretaria de Fazenda o renovou por mais 20 anos.
A denúncia foi protocolada pelo servidor da Fazenda municipal Fernando Lyra Reis. De acordo com ele, o contrato assinado em 1999 não previa a renovação, sendo exigida uma nova licitação para a exploração comercial do mobiliário.
A prefeitura afirma que parecer da Procuradoria Geral do Município não apontou impedimentos jurídicos para a renovação.
A peça de Lyra Reis, contudo, é apenas um instrumento dos vereadores para demonstrar a insatisfação com a gestão Crivella. As articulações para retirar o prefeito do Palácio da Cidade começaram após ele descumprir uma série de acordos firmados com membros da Câmara, além de não atender pedidos de obras e serviços para suas bases eleitorais.
Políticos que votaram a favor do reajuste do IPTU em 2017 em troca de cargos acabaram perdendo espaço para novas alianças do prefeito, firmadas de olho na reeleição em 2020. Em muitos casos, eles ficaram sabendo da demissão de seus indicados pelo Diário Oficial do Município.
Dentro do governo, a análise é de que a negociação com os vereadores pode se estender ao longo do processo de impeachment, que tem 90 dias para ser encerrado. Ele precisará reverter ao menos dois votos.
O vereador Paulo Messina (Pros), secretário da Casa Civil afastado para votar na sessão, chegou a propor que, em vez do processo de impeachment, fosse aberta uma CPI sobre a renovação dos contratos.
_ Não estamos aqui com medo de investigação. Não queremos que se use a admissibilidade de impeachment como ferramenta política. O acordo que vou propor a todos é que se o impeachment for rejeitado, sou o primeiro a assinar uma CPI sobre o tema nessa casa _ disse Messina.
O apelo, no entanto, não foi suficiente para atrair apoio ao prefeito.
O vereador Tarcísio Motta (PSOL) disse que o prefeito abriu mão de arrecadar mais com uma nova licitação, além de renovar um contrato de forma ilegal.
_ A prefeitura do Crivella, que diz não ter dinheiro para colocar na saúde, renovou contrato com duas empresas que passaram 19 anos descumprindo o mesmo contrato _ disse ele.
O vereador Inaldo Silva (PRB), bispo da Igreja Universal, questionou se a articulação contra Crivella se deve a preconceito religioso:
_Será que é porque ele é evangélico? Se o prefeito for cassado por motivo religioso e de sua fé, eu me candidato prefeito.
Mais um capítulo no relacionamento
distante entre prefeito e vereadores
Boa parte dos discursos contra Crivella mencionaram, além da denúncia, críticas à gestão do prefeito. A vereadora Verônica Costa (MDB) chamou de assassinato em massa o número de mortes em hospitais. Átila Nunes (MDB) criticou a falta de merenda nas escolas.
_ Incompetência por si só não é motivo para impeachment. Mas quando essa incompetência atenta contra o interesse público e agrava o caos na saúde, transporte e educação, aí não dá mais. É crime de responsabilidade _ disse Motta.
Este é mais um capítulo na relação distante entre Crivella e os vereadores desde o início do mandato, em 2017. Os membros da Câmara se queixam de falta de espaço para solicitação de obras e serviços em suas bases eleitorais, além do descumprimento de acordos políticos. O prefeito, por sua vez, afirma ser vítima de um complô por contrariar interesses escusos.
Na semana passada, vereadores insatisfeitos articularam a votação de um projeto para alteração da Lei Orgânica do Município a fim de retirar a previsão de eleição direta em caso de vacância da cadeira de prefeito até o terceiro ano de mandato.
A movimentação foi um preparativo para entregar à Câmara, comandada pelo MDB, as rédeas da sucessão de Crivella após seu eventual afastamento. O vice-prefeito, Fernando MacDowell, que seria sucessor natural em caso de impeachment, morreu no ano passado, o que deixou vaga a linha sucessória.
O projeto não foi aprovado por falta de um só voto, tendo tido o apoio de 33 vereadores, entre eles o líder do governo, Jairinho (MDB). Crivella foi salvo principalmente pelo opositor PSOL, cujos seis vereadores foram contrários à alteração, e por Carlos Bolsonaro (PSC).
Há expectativa de que uma nova alteração da Lei Orgânica seja proposta durante o processo de impeachment para viabilizar a eleição indireta.
Mandato ameaçado
pela segunda vez
Outros pedidos de impedimento estão na iminência de serem protocolados. Um deles deve ser produto da CPI que investiga o uso da estrutura da Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb) em favor da candidatura do filho do prefeito, Marcelo Hodge Crivella. Ele não foi eleito e ficou na quarta suplência do PRB.
Um motorista da empresa municipal reconheceu ter levado servidores do município num veículo da Comlurb a um encontro político do então candidato. A CPI deve ser encerrada em um mês.
Esta é a segunda vez que Crivella tem o mandato ameaçado. Em julho do ano passado, a Câmara analisou pedido de impeachment por suposto favorecimento a evangélicos no acesso a serviços públicos. O processo não conseguiu os votos necessários.