Para superar os desafios na lama e vencer dificuldades físicas e psicológicas, bombeiros que passaram por Brumadinho (MG) levaram consigo mais do que coragem, acuidade técnica e lições aprendidas em treinamentos rigorosos. Muitos deles carregaram para o barro objetos de valor sentimental – como fotos, símbolos religiosos e ferramentas da sorte.
Um deles, o aspirante a oficial Sandro Matilde Júnior, 24 anos, rastejou por dias no lamaçal com a foto dos pais, Sandro e Simone, no bolso. Captada na data da formatura do jovem no Curso de Formação de Oficiais, em 2018, a imagem ficava junto à capa do telefone celular – e o aparelho, dentro de um saco plástico.
— Sempre que usava o WhatsApp para me comunicar com os colegas (diferentemente do que ocorreu em Mariana, lá, havia sinal, o que facilitou a comunicação durante a operação), olhava para a foto com meus pais. Isso me dava forças para continuar. Família é algo muito importante e foi a primeira vez que não passei meu aniversário com os dois — diz Sandro, que completou 24 anos na lama, no dia 30 de janeiro.
Para o cabo Lauro Garcia, 30 anos, foi importante ter sempre pendurado ao pescoço um pingente em forma de cruz. Religioso, Garcia crê em Jesus e conta que, todos os dias, rezava pedindo proteção e forças para encontrar sobreviventes e ajudar as famílias atingidas pela catástrofe. A cruz é talhada com trechos do Pai Nosso.
O cabo também levou consigo, o tempo inteiro, uma faca especial, presenteada por um amigo ligado à ONU
— Essa faca corta até vidro — garante o militar.
Em Brumadinho, a ferramenta ajudou a serrar uma tora de 20 centímetros de diâmetro, que cobria o corpo de uma vítima. Segundo Garcia, foi fundamental no trabalho.
Já o cabo José Carlos Heringer Vieira, 38 anos, não sabia, mas também levava um talismã na mochila – nesse caso, deixado lá pela mulher dele, a bióloga Márcia Carneiro Heringer, 34 anos. Ele só ficou sabendo na noite de 29 de janeiro, depois de sofrer um acidente na lama.
O susto ocorreu por volta das 12h daquele dia, após Heringer localizar a cabeça de uma vítima em meio ao lodo. Na ânsia de chegar logo ao local, ele correu, saltando de tora em tora e acabou ferido.
— Minha perna direita agarrou na lama e a outra escorregou de um tronco. Sofri um estiramento grau 3 na virilha. Naquela hora, pensei: eles vão me tirar da operação. Meus amigos então seguiram o protocolo e começaram a fazer uma cruz no chão, para o helicóptero me resgatar, mas eu não podia aceitar aquilo e desfiz o sinal. Quebrei um galho, fiz de bengala e continuei até o fim do dia — conta Heringer.
Às 23h, depois de ser atendido por um médico, ele recebeu a ligação da mulher. Grávida de sete meses da primeira filha do casal (que se chamará Lavínia), Márcia foi direta:
— Eu vou aí te buscar.
— Amor, eu vou ficar mais um dia — respondeu o marido.
— Então olha no bolso esquerdo da sua mochila e me liga — apelou a gestante.
Na pousada, Heringer fez o que Márcia pediu. Na bolsa, encontrou um par de sapatinhos de croché, junto de um bilhete escrito à mão. No papel, lia-se: "Papai, volta logo para cuidar da mamãe e de mim". Até hoje, o militar guarda o pacotinho de plástico, preparado por Márcia para garantir proteção.