Três semanas depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), a avalanche de lama que arrasou a região continua atormentando familiares de vítimas, angustiando moradores e desafiando bombeiros, que contam com reforço de escavadeiras anfíbias nas buscas por desaparecidos. Quatro dezenas de máquinas pesadas passaram a revolver os rejeitos de minério dia após dia, abrindo novas frentes de trabalho no barro.
Na localidade de Córrego do Feijão, uma das mais afetadas, o sentimento de angústia persiste. Basta circular pelas ruas do vilarejo rural para ouvir lamentos por todos os lados. A maioria, ali, dependia da Vale para sobreviver. Quem perdeu parentes ou bens materiais ainda aguarda respostas da empresa. A incerteza em relação ao futuro é generalizada.
— Mudou tudo aqui. Antes era um lugar bonito, tranquilo. Tinha trabalho. Agora não tem mais nada. É só tristeza e agonia — desabafa a dona de casa Joana D'Arc Pinto, 56 anos, que enterrou uma cunhada, localizada sem vida no lamaçal.
Com a massa de resíduos nos fundos de casa, a desempregada Marineide dos Santos, 30 anos, não aguentou continuar morando no local. Incomodada com o mau cheiro e com as moscas, ela e o marido passaram a viver em uma pousada no centro do município, com hospedagem paga pela Vale.
Quando tem ânimo, Marineide retorna a Córrego do Feijão para ver a sobrinha, Ana Clara, 4 anos, e conferir a situação. Até setembro de 2017, ela trabalhava como terceirizada na companhia, prestando serviços de limpeza. Agora, espera obter compensação pelos prejuízos decorrentes da catástrofe.
— Perdi uns 30 amigos lá. Se já não bastasse isso, não temos mais condições de continuar em casa. Como vamos viver assim, com essa lama toda aqui do lado, ainda mais sabendo que tem muita gente querida lá? — questiona Marineide.
Há pontos onde o barro mantém a consistência mais aquosa dos primeiros dias após da explosão e outros em que lembra o aspecto de argila compactada. Ainda é possível ver restos de árvores, pedras e escombros no amontoado disforme e inerte. A onda ocre arrastou consigo casas, plantações, estábulos e tudo mais o que havia pela frente.
No início, a procura por sobreviventes era feita, na maioria dos pontos atingidos, a partir de varreduras de superfície, com os bombeiros se arrastando pelo lodo atrás de vítimas, e por helicópteros sobrevoando a área. Em determinado momento, chegaram a ser utilizadas duas dezenas de aeronaves.
De lá para cá, o método mudou. Como não há mais esperanças de encontrar pessoas com vida, os bombeiros passaram a apostar na força de equipamentos usados na construção civil, fornecidos por empresas pagas pela Vale, para cavar mais fundo e remexer a terra em busca de restos mortais. Só nesta sexta-feira (15), havia 46 veículos do tipo em operação, parte deles adaptável à água.
Um dos focos da operação é um trecho de lama sob o qual passava uma estrada. Ali, os rejeitos podem chegar a mais de 10 metros de profundidade. Mesmo robustas, as máquinas enfrentam percalços para se locomover. Além disso, ao descarregar as pás, os operadores têm de ser cuidadosos, para que os bombeiros, posicionados junto às cabines, possam perscrutar o material. O objetivo é detectar a presença de corpos ou membros mutilados - devido à força com que a onda marrom se deslocou, tem sido comum a localização de pernas, braços e outros segmentos corpóreos.
Para quem estava acostumado a atuar na construção de rodovias, a tarefa executada em Brumadinho é, no mínimo, incomum. Operador de escavadeiras, Roberto Fonseca, 46 anos, diz ter ajudado a localizar três cadáveres em uma semana. A operação não tem data para terminar.
— Perguntaram, lá na empresa, quem gostaria de ir a Brumadinho, dar suporte aos bombeiros. Eu me apresentei e, em 48 horas, estava aqui. Vim do Espírito Santo, sem data para voltar. Sempre trabalhei com terraplanagem. Nunca tinha visto nada assim. O trabalho é difícil, mas precisa ser feito — sintetiza Fonseca.
Até o início da tarde desta sexta-feira (15), a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais contabilizava 166 mortos e 147 desaparecidos.