Os helicópteros que cortavam o céu de Brumadinho (MG), na tarde de segunda-feira (28), não estavam ocupados apenas em apoiar a retirada de corpos dos escombros e da lama, ou encontrar sobreviventes em meio à destruição. Ao menos uma das aeronaves tinha a missão de executar, com tiros, animais ilhados, presos na lama ou feridos.
Eram 14h37min. Um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal (PRF) fazia voos rasantes em uma área devastada do Córrego do Feijão, numa região isolada e mais próxima da barragem de rejeitos. Um agente armado com fuzil mirava, de dentro da aeronave, locais onde enxergava animais na lama. E disparava.
Foram mais de 20 disparos, até o que o helicóptero partiu. O sacrifício dos animais ocorreu numa área próxima do local onde mais de 20 brigadistas tentavam abrir um ônibus coberto pela lama, com vítimas dentro. Há muitos bois ilhados ao longo de todo o trecho da cidade que foi varrida pelo barro. Outros estão com parte do corpo presos na lama.
Sacrifício
A decisão de executar os animais foi confirmada pelo chefe da Defesa Civil de Minas, coronel Evandro Geraldo Borges.
— O que vamos fazer? Deixar o animal sofrendo? Estamos sim, com equipe em campo executando esse trabalho, mas essa decisão só é tomada nos casos em que não há outra opção — disse.
Outra parte da equipe, disse o coronel, está empenhada em socorrer animais "em condições de serem retirados" da lama. Mas em muitas situações, declarou, só resta o tiro de misericórdia.
— Não tem jeito. Tem animal preso, outro com perna quebrada. Temos de fazer escolhas, de retirar as pessoas, ir atrás de sobreviventes. Tudo que está sendo feito foi pensado. É isso.
Próximo da equipe de brigadistas que tenta abrir o ônibus tomado pelo barro, um boi cansado, sobrevivente da tragédia, foi batizado de Resistente pelos agentes. Um helicóptero se aproxima da área onde Resistente está. Não veio executá-lo, mas carregar o primeiro corpo de uma vítima que os agentes conseguiram retirar do ônibus.
Durante as oito horas em que a reportagem acompanhou a operação, Resistente chegou a receber um pouco de feno e água. Nesta terça-feira (29), disseram os brigadistas, o boi deverá ser sedado, para que seja retirado dali. Com vida.
Contraponto
Na tarde desta terça-feira (29), o governo de Minas Gerais divulgou uma nota oficial na qual afirma que os animais resgatados com vida estão sendo encaminhados para um sítio próximo ao local, mas que animais que não reúnem condições para resgate com vida estão recebendo injeções letais para eutanásia.
"Cabe ressaltar que em nenhum momento houve autorização por parte do Gabinete Miliar do Governador/Coordenadoria Estadual de Defesa Civil para o abate de animais aleatoriamente ou por meio de métodos em desacordo com as normas", diz o governo mineiro.
Confira a nota na íntegra:
NOTA OFICIAL
Os animais vítimas do desastre do rompimento da barragem em Brumadinho são acompanhados pela Vale e por órgãos atuantes nas esferas federal e estadual.
Os animais resgatados com vida estão sendo encaminhados para um sítio próximo ao local, onde recebem tratamento, alimentação, medicamentos e todo o aporte necessário por uma equipe de veterinários.
Existem animais vivos que ainda estão no local do rompimento. Eles estão recebendo alimentação, água e cuidados, até que seja possível resgatá-los.
Contudo, existem animais que não reúnem condições para resgate com vida em decorrência do estado e características do local do desastre. Para esses casos, uma equipe de veterinários está apta a realizar a eutanásia por meio de injeção letal.
A eutanásia é um procedimento realizado apenas por médicos veterinários nos casos extremos, quando é constatado que as condições de bem-estar e saúde dos animais encontram-se irreversivelmente comprometidas e sem possibilidade de recuperação.
Cabe ressaltar que em nenhum momento houve autorização por parte do Gabinete Miliar do Governador/Coordenadoria Estadual de Defesa Civil para o abate de animais aleatoriamente ou por meio de métodos em desacordo com as normas.
As atribuições da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil estão descritas no Decreto n. 47.346/2018.
Governo de Minas Gerais