Repórter fotográfico André Ávila conta como surgiu a ideia de retratar faces de socorristas que atuaram nas buscas por vítimas do desastre de Brumadinho. Confira:
Trabalho como repórter fotográfico há quase sete anos – três deles em GaúchaZH – e Brumadinho foi a primeira tragédia nacional com alcance mundial que cobri. Enquanto o sábado (dia 26) amanhecia e eu fotografava a movimentação de helicópteros trazendo os primeiros corpos, ouvia ao meu lado o desespero de familiares e amigos dos desaparecidos, todos implorando aos bombeiros por informações.
– Moço, só deixa ver se é minha mãe – suplicava uma moradora.
Ali, entendi o tamanho do desastre que estava fotografando. No dia seguinte, os bombeiros fizeram inúmeras buscas, por ar e por terra, procurando sempre por sobreviventes, mas voltavam trazendo corpos. Era o sinal de que, cada vez mais, a esperança se perdia. No terceiro dia, a repórter Juliana Bublitz e eu acompanhamos o trabalho de busca por terra do 1º Batalhão de Minas Gerais. Eram nove homens e uma mulher que desembarcaram de um helicóptero da Marinha diretamente para o barro.
Assim que chegaram, já rastejavam pelo mar de lama à procura de vítimas. Horas depois, estavam sentados ou deitados no chão, bebendo água, tomados pelo barro e pela exaustão. De alguns, não era possível ver metade do rosto, nem a cor das roupas.
Por alguns minutos, enquanto a repórter entrevistava o grupo, eu fotografava os bombeiros à espera da próxima busca. Percebi todos introspectivos, com o olhar perdido junto ao barro, local onde, provavelmente, projetavam que estivessem os desaparecidos. Comecei a imaginar os retratos de suas faces e expressões e resolvi perguntar se aceitariam ser fotografados. Falei primeiro com o aspirante Sandro. Prontamente, ele concordou. Colocou o capacete. Levantamo-nos.
Ainda antes do primeiro clique, mirando o rosto do bombeiro, sério e coberto por barro, percebi a força que a imagem carregaria. Ao menos para mim. Depois, convidei um por um para fotografar. Mesmo cansados, eles aceitavam. Dois deles estavam dormindo, outros dois estavam distantes, por isso não participaram do ensaio.
Depois, enquanto editava as imagens, percebi que era possível enxergar algo em comum em cada um dos retratos. Todos tentavam sorrir para a foto, em gesto de empatia ou, talvez, em reflexo automático que temos quando nos apontam uma câmera. O movimento da boca é o ensaio de um sorriso que, devido à exaustão e à catástrofe, não havia a menor possibilidade de acontecer. Mas o olhar de cada um revela a mesma coisa: que a tragédia daquelas pessoas, para esses homens e mulher, é também a tragédia deles.