Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte (MG), é uma cidade consternada. Atropelada por toneladas de lama e detritos despejados sobre casas, estradas, rios e plantações, a região viveu um fim de semana de raiva, aflição e luto. O pesadelo teve início na última sexta-feira (25), quando o município de 39,5 mil habitantes foi cortado ao meio pelos rejeitos da Mina do Córrego do Feijão. Três barragens, administradas pela Vale e localizadas no alto de um morro, ruíram.
Sem que nenhuma sirene soasse, funcionários que almoçavam no refeitório da empresa foram engolidos pelo barro. O prédio administrativo desapareceu. Em minutos, residências, estabelecimentos comerciais e propriedades inteiras sumiram no lamaçal, que varreu as comunidades de Córrego do Feijão, Tejuco e Parque das Cachoeiras. Até as 21h deste domingo (27), o Corpo de Bombeiros contabilizava 58 mortos, 192 pessoas resgatadas com vida e 305 desaparecidos.
Com o objetivo de achar toda essa gente, o campo de futebol em frente à Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Córrego do Feijão, virou pista de pouso e decolagem para helicópteros. A estrutura da paróquia serviu de quartel-general a dezenas de socorristas, em uma operação de guerra para localizar vivos e mortos.
Mal amanhecia, no sábado (26), quando um comboio de caminhões frigoríficos adentrou o lugarejo, liderado por um rabecão. Os veículos seriam usados para receber os corpos das vítimas, que não tardariam a aparecer, transportados pelas aeronaves em redes suspensas no ar.
— Pelo amor de Deus. Deixa a gente ver quem é, moço. Pelo amor de Deus — gritava a auxiliar de cozinha Leidiane Paula Araújo.
— Pode, não, minha senhora — respondia um policial, quase sem jeito, tentando conter os ânimos.
Leidiane viu a mãe, Cristina Paula da Cruz, pela última vez na manhã de sexta-feira (25). Cristina era faxineira na Pousada Nova Estância, destruída pela onda de lama.
— Quero notícias dela. Só isso — lamentava a filha, aos prantos.
Outras famílias dividiam igual agonia. Carlos Júnior teve mais sorte. Buscava sinais do pai, Carlos Eduardo Farias, empregado da Vale. Ele trabalhava na mineração na hora da catástrofe. Sobreviveu. A maioria dos familiares e amigos de vítimas passou os dias atrás de informações, em vão. O servidor público Lúcio Antônio Henrique dos Santos não tirava os olhos da lama à procura da colega Sirlei de Brito. Na sexta-feira (25), ela decidiu almoçar em casa. Sumiu junto com a residência.
— Vou ficar aqui hoje, amanhã e 30 dias, se for preciso, até ela aparecer — repetia Santos.
Perto dali, o engenheiro aposentado Bráulio Alcici avaliava o prejuízo. Dono de cem hectares de terras, perdeu 800 bananeiras, um açude, um curral com 20 vacas e 17 bezerros e seis cachorros. A moradia, por pouco, ficou intacta. A 50 metros dali, no meio dos rejeitos, um grupo de jovens com cordas e tábuas tentava salvar um bovino mergulhado nos destroços, que pareciam areia movediça. Naquele ponto, era como se uma área de cinco estádios estivesse coberta de sujeira, com árvores retorcidas e raízes pelo avesso.
Outros voluntários também tentavam ajudar na cata de feridos, entre eles o ambulante Rone da Fonseca Torres, de Contagem (MG). Ele já havia auxiliado na tragédia de Mariana, há três anos. Com a assistência de um amigo, entrou em uma habitação cheia de terra. Em cima da mesa, ainda estavam os restos do almoço do proprietário. O local estava vazio.
— Vamos continuar procurando. Vai que encontramos alguém que precise de ajuda? — questionava Torres.
Os gritos por socorro voltaram a ecoar às 5h30min deste domingo (27), quando o alarme da Vale (que dessa vez funcionou) despertou os moradores próximos. O toque foi acionado pelo risco iminente de colapso de outra barragem, chamada B6, situada no mesmo complexo de Brumadinho. A estrutura estava cheia de água e podia desmoronar, ampliando a desgraça. Todos foram obrigados a sair de suas moradas, e as buscas por vítimas foram suspensas.
O desempregado Vicente de Paula Oliveira só teve tempo de encher a mochila com roupas, remédios e documentos. Logo que amanheceu, subiu na moto e deixou todo o resto para trás. Matheus Horta Lopes já estava fora de casa quando o alarme tocou. Ele tem passado as noites dentro do carro, estacionado junto ao salão comunitário.
— Não tenho conseguido nem pregar o olho. Hoje, quando deu o alarme, a gente se assustou, mas aqui estamos seguros. Minha casa está lá, abandonada. Não vamos sair daqui de jeito nenhum. Precisamos de respostas — ressalta Lopes, que trabalha em um lava-jato que prestava serviços para a Vale.
Ao longo do dia, a evacuação continuou até por volta das 15h, quando a ameaça foi reduzida com a drenagem de parte da água da represa, e a Defesa Civil liberou o retorno dos moradores aos lares. Em Córrego do Feijão, o centro comunitário, a seis quilômetros da lama, se transformou em ponto de encontro, concentrando doações e auxílio.
— Prefiro ficar aqui. Tenho me do de voltar para casa — desabafou Bruna Toledo, 29 anos.
Para alívio de Bruna e da comadre Wesleyane Paloma, 26 anos, o barulho das hélices voltou a reverberar com força em Brumadinho e, com ele, a esperança de encontrar mais gente com vida.
— Aqui todo mundo se conhece. É um lugar pequeno. Somos uma família. Só o que queremos é estar juntos outra vez – disse Wesleyane.
Abastecimento sob análise
O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, afirmou que até quarta-feira (30) sai o resultado da análise das águas do Rio Paraopeba, que corta a região atingida pelo rompimento de barragem da Vale no município de Brumadinho. A avaliação será feita a partir de amostras colhidas em 47 pontos de captação ao longo do curso do rio, que abastece uma mancha urbana de cerca de 3 milhões de pessoas. O abastecimento de água na Grande Belo Horizonte está sendo feito por outros reservatórios.
Os primeiros enterros
A cidade de Brumadinho teve seus primeiros enterros de vítimas do rompimento da barragem neste domingo (27). Fabrício Henriques da Silva, que trabalhava para uma empreiteira prestadora de serviços da Vale, foi sepultado no Cemitério Municipal Velho, atrás da Igreja Matriz, na parte alta da cidade, às 12h30min. Djene Paula Las Casas, operador de máquinas e funcionário da Vale, foi enterrado às 17h. Há três cemitérios em Brumadinho. Dois são municipais: o Cemitério Velho e o Parque das Rosas. Um terceiro, Brumado, é privado.