Dos 305 venezuelanos trazidos a Canoas pelo programa de interiorização do governo federal, 14 foram expulsos por não respeitarem as regras de convivência. A informação foi confirmada pela prefeitura nesta sexta-feira (30), mas os desligamentos ocorreram no começo desta semana.
De acordo com a secretária de Desenvolvimento Social de Canoas, Luísa Camargo, a gota d´água foi uma briga ocorrida no último final de semana, em que um dos venezuelanos teve de ser socorrido com uma facada na nádega.
— Foi mais um final de semana de horror no abrigo — desabafou a secretária.
Conforme Luísa, as confusões começaram no segundo final de semana dos imigrantes na cidade, ainda em setembro. Desde então, alguns imigrantes começaram a fazer festas, usar bebidas alcoólicas e maconha dentro do abrigo — o que é proibido pelo regramento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). As regras da Acnur são válidas para todos os abrigos de refugiados no mundo.
— Estamos há mais de 70 dias trabalhando as regras com eles, fazendo reuniões, dando advertências, tentando conscientizá-los. Chegamos no limite. Perguntamos ao Acnur o que fazer. Nos disseram para seguir o regramento e que a decisão final caberia a nós. Não tivemos o que fazer a não ser desligá-los — argumenta a secretária de Canoas.
Treze dos venezuelanos removidos do programa de interiorização — que fornece moradia e alimentação de graça e ajuda para conseguir emprego e creche a todos os contemplados — estiveram envolvidos em brigas, uso de drogas ou outras questões que seriam proibidas nos abrigos.
Um outro caso diz respeito a um homem suspeito de agredir a mulher e a filha de 15 anos. Conforme Luísa, o caso foi levado a Justiça, que aplicou as regras brasileiras (Lei Maria da Penha) e determinou o afastamento dele da família.
Mesmo transferido para outro abrigo de Canoas, conforme a secretária, ele teria transgredido determinação judicial, pulado grades e encontrado a mulher. Por isso, foi expulso do programa.
Em todos os casos, conforme a secretária, foram repassadas informações aos venezuelanos para que possam encontrar outra moradia. A prefeitura não acompanha mais essas pessoas, mas afirma que vai tentar, junto a instâncias superiores, que casos mais graves sejam deportados.
— É preciso deixar claro que não são todos, são uma minoria, e que, infelizmente, podem afetar todos os demais — lamenta Luísa Camargo.
O Ministério do Desenvolvimento Social, um dos braços do governo federal no processo de interiorização, informou, por meio de nota, que as regras para convivência em abrigos são estabelecidas de maneira clara pelas Nações Unidas.
"O Acnur estabelece regras muito claras que valem em todos os abrigamentos. Vamos informar esse assunto ao Acnur e ver que tipo de encaminhamento dar para essas pessoas", diz o comunicado da pasta.
A reportagem de GaúchaZH entrou em contato com o Acnur, mas não obteve retorno até as 18h desta sexta.
Centro de Atendimento ao Migrante recebeu a notícia com surpresa
O advogado Adriano Pistorello, membro do Fórum Permanente de Mobilidade Humana e do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) em Caxias do Sul, disse que recebeu a notícia sobre as expulsões de venezuelanos em Canoas com surpresa. Pistorello deixou claro que ainda não teve tempo de entrar em contato com a prefeitura de Canoas e demais entidades para conseguir detalhes sobre o caso.
O advogado destacou que vai solicitar reunião extraordinária do Comitê Estadual de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas no Rio Grande do Sul para debater o tema.
Pistorello afirmou que não sabe como o atrito estava sendo conduzido em Canoas, mas que esse tipo de situação demanda diálogo e possibilidade do contraditório aos supostos infratores, não apenas expulsar migrantes em situação de vulnerabilidade social:
— Se houve (irregularidade), tanto na questão criminal ou em qualquer outra questão, existe o contraditório, a ampla defesa, toda uma situação. Deveria ter toda uma assistência, não só do poder público municipal como de outras entidades que assistem. Não sei como isso vinha sendo conduzido. Não tenho conhecimento se houve essas notificações, se eles foram notificados.
Karin Wapechowski, coordenadora de projetos da Associação Antônio Vieira (Asav), um dos braços do Acnur no Estado, disse que o caso já foi informado ao Alto Comissariado, em Brasília. Karin afirmou que os demais abrigos no Estado, em municípios como Cachoeirinha, Chapada e Esteio, já registraram casos pontuais de indisciplina, mas que foram resolvidos e não geraram sanções mais graves.
No entanto, a coordenadora destaca que casos de sucesso também são registrados nos locais de acolhida aos migrantes no RS:
— Tem muita gente boa e realmente interessada em seguir a vida aqui de uma maneira mais ordeira possível.