Quase dois meses depois que o primeiro grupo de venezuelanos chegou ao Rio Grande do Sul fugindo da crise em seu país de origem, mais de 700 já vivem em cinco municípios gaúchos. No total, 697 ainda são mantidos em abrigos com custeio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). E boa parte deles já conseguiu ingressar no mercado de trabalho: 224 venezuelanos que vivem em abrigos estão também trabalhando.
No total, 731 imigrantes chegaram ao Estado, divididos entre Canoas, Esteio, Porto Alegre, Cachoeirinha e Chapada. Os grupos estavam em Roraima e foram encaminhados aos poucos pelo governo federal. Parte deles, no entanto, já saiu dos abrigos — alguns conseguiram emprego e passaram a alugar casa própria, mas a maioria se mudou para propriedades rurais, onde estão trabalhando.
Yumira Rodriguez, de 51 anos, chegou no começo de setembro a Esteio, na Região Metropolitana. Veio com o filho, que também já conseguiu emprego, com a nora e um neto bebê. Há cerca de três semanas, conseguiu o primeiro emprego depois de distribuir currículos em vários locais. Costureira, conseguiu um emprego na área: trabalha na loja Clélia Noivas e Noivos, em Sapucaia do Sul. Para chegar lá, caminha cerca de 30 minutos, inclusive cruzando o limite entre os municípios.
— Recebo valor para a passagem, mas prefiro guardar o dinheiro para enviar à minha família, que está na Venezuela. Eles precisam para comprar comida. Não reclamo, caminho na chuva e no sol. Preciso trabalhar. Além disso, fui muito bem recebida — relata, em "portunhol".
Vendi minha máquina de costura e outros bens para ir a Roraima, mas lá há muitos venezuelanos, e não somos bem recebidos. Aqui nos tratam com carinho e temos boas condições de hospedagem.
YUMIRA RODRIGUEZ
costureira venezuelana abrigada em Esteio
Yumira conta que, na Venezuela, trabalhava em dois empregos, mas, mesmo assim, não tinha dinheiro para comprar comida. Em Roraima, as condições do abrigo eram precárias, e a costureira era tratada com hostilidade. Aqui, sente-se feliz:
— Vendi minha máquina de costura e outros bens para ir a Roraima, mas lá há muitos venezuelanos, e não somos bem recebidos. Aqui nos tratam com carinho e temos boas condições de hospedagem. Quando eu não estiver mais no abrigo, quero continuar na cidade, porque gosto muito. E trazer meus familiares, porque eles contam que a situação está difícil. O custo de vida é muito alto — lamenta.
Colega de Yumira, a funcionária Quelen Paim, que trabalha passando roupas na loja, gosta da experiência e da troca entre as colegas.
— No primeiro dia, perguntaram se ela conseguia fazer a réplica de um vestido, e ela fez. É muito competente e muito tranquila. Esta é uma experiência legal, porque ensinamos e aprendemos palavras novas. Ficamos muito sensibilizados com a história dela e ficamos felizes que ela está aqui — relata.
Além de já termos o contato com o espanhol, nosso povo está acostumado à solidariedade devido à época de chuvas. Tem sido incrível. Estamos encantados com o que estamos vendo. Nosso trabalho está tendo repercussão nacional e internacional.
TATIANA TANARA
secretária de Cidadania, Trabalho e Empreendedorismo de Esteio
Karine Muzykant de Oliveira, sócia administradora da loja, diz que a adaptação foi fácil e destaca a solidariedade entre as colegas:
— No primeiro dia ela já saiu fazendo. Foi bem fácil. Fazemos o que podemos para ajudar, com alimentação e vale refeição, e as colegas também. Muitas ajudam com lanche no intervalo — conta.
Em Esteio, são dois abrigos: um que reúne apenas homens e outro que reúne famílias. Na cidade, 70 pessoas já conseguiram emprego, sendo que 150 já foram encaminhadas para as vagas. A chegada dos imigrantes despertou solidariedade no município, e diversas empresas passaram a oferecer mais vagas. A prefeitura auxilia no processo, como explica a secretária de Cidadania, Trabalho e Empreendedorismo, Tatiana Tanara.
— Através de uma agência municipal, ajudamos os venezuelanos a encaminharem currículos. Com essa demanda humanitária, muitos empresários acabaram disponibilizando vagas específicas para isso. Aqui no Estado temos um diferencial: além de já termos o contato com o espanhol, nosso povo está acostumado à solidariedade devido à época de chuvas. Tem sido incrível. Estamos encantados com o que estamos vendo. Nosso trabalho está tendo repercussão nacional e internacional — comemora.
Em Chapada, quase todos já estão empregados
No pequeno município de Chapada, que tem cerca de 9,3 mil habitantes e fica no Norte do Estado, o grupo de 52 venezuelanos chegou no fim do mês de setembro. Como alguns se mudaram para uma propriedade rural, 46 seguem abrigados em uma escola desativada no interior do município, onde foram recebidos com festa pela comunidade.
Na cidade, chama a atenção o alto percentual dos imigrantes já inseridos no mercado de trabalho. Das 24 pessoas consideradas aptas para trabalhar, 21 já conseguiram emprego, e as outras três seguem procurando. Segundo a prefeitura, um dos motivos que ajudou no encaminhamento de profissionais foi o fato de que todas as crianças já estão em escolas ou creches:
— Com as crianças na escola, a maioria delas em turno integral, os pais se liberam para buscar trabalho. Aqui na cidade, a maioria foi para uma empresa de laticínios, mas muitos estão em um frigorífico. Eles querem ter este início para seguir a vida. Estamos felizes que estão conseguindo — diz o prefeito da cidade, Carlos Alzenir Catto.
Canoas, na região metropolitana, é a cidade que abriga o maior número de venezuelanos. No total, 306 chegaram à cidade, mas 297 ainda são mantidos nos dois abrigos. Cerca de 40% dos adultos já possuem alguma fonte de renda:
— O abrigo não é permanente, e muitos já estão começando a pensar em ter a sua casa. Alguns ainda nos questionam, querem seu emprego, mas isso está ocorrendo aos poucos. Percebemos que há maior sensibilidade por parte dos empresários — explica a secretária municipal de Desenvolvimento Social, Luísa Camargo.
Em Porto Alegre, os 70 imigrantes estão hospedados em casas da entidade filantrópica Aldeias Infantis SOS. Todos seguem no local, e cerca de 45 já conseguiram emprego. Em Cachoeirinha, o abrigo recebe cerca de 80 homens, sendo que 35 já estão empregados e outros 10 fazem trabalhos informais.
O chamado processo de interiorização feito pelo governo federal, com a transferência de venezuelanos de Roraima para outros estados brasileiros, segue ocorrendo. O governo segue em permanente contato com outros municípios gaúchos, e pode haver novidades no mês de novembro.