A eleição para a direção do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) virou caso de polícia, com guerra de versões e briga por documentos da entidade na Justiça.
Os ânimos estão acirrados por causa da divulgação na internet de conversas gravadas clandestinamente na sala da presidência do Simers, em Porto Alegre, nas quais são citados o suposto desvio de R$ 2 milhões da entidade em 2017 e a possibilidade de o sindicato abrir uma empresa para investir na compra de campo e criação de gado.
Nos áudios, os interlocutores são o médico Paulo de Argollo Mendes, então presidente do Simers — ele renunciou ao cargo após a divulgação dos diálogos —, e o advogado Ricardo Cunha Martins, que presta assessoria jurídica à entidade.
No comando do Simers há 20 anos, Argollo se afastou do sindicato, mas segue como candidato à presidência — o pleito já iniciou com a coleta de votos de médicos por meio de carta-resposta, e se encerra com votação presencial em 5 de novembro, na sede da entidade em Porto Alegre.
— O que aconteceu é muito grave. Penso que foi ato de espionagem — lamenta Martins.
Argollo não fala sobre o assunto, não atende o celular e não foi encontrado em casa pela reportagem de GaúchaZH — estaria viajando sem telefone, conforme um familiar.
Pouco antes de anunciar a saída, Argollo encaminhou à Polícia Federal (PF) e à Coordenadoria das Promotorias Criminais do Ministério Público Estadual (MPE) pedidos de providência para investigar a instalação das escutas ambientais ilegais na sede do Simers.
Nos documentos, Argollo afirma que ex-participantes da entidade "formaram uma chapa de oposição e começaram, de forma reiterada, a denegrir a reputação da entidade". Ele sustenta que as conversas divulgadas foram manipuladas, tirando trechos do seu contexto e cronologia, levando a entender a prática de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção.
A reportagem de GaúchaZH questionou a PF e o MPE sobre os pedidos de Argollo. A assessoria de comunicação do MPE informou que a solicitação de investigação não havia sido localizada, e a da PF disse que o caso está sob análise da Corregedoria do órgão.
Candidato de oposição (Chapa 2), o ginecologista Marcelo Marsillac Matias garante desconhecer a origem das escutas clandestinas, mas diz que o responsável "fez um bem para a classe médica". Matias afirma que desde março tenta esclarecer, sem sucesso, questões sobre a saúde financeira do sindicato.
— Teve uma apresentação de contas em uma assembleia com números que não são 100% comprováveis. Tentei questionar, mas o Argollo não permitiu que se fizesse perguntas — garante.
Teve uma apresentação de contas em uma assembleia com números que não são 100% comprováveis. Tentei questionar, mas o Argollo não permitiu que se fizesse perguntas.
MARCELO MARSILLAC MATIAS
Médico, candidato da chapa 2
O ginecologista conta que gravou parte do encontro e divulgou entre médicos, mas virou alvo de uma ação judicial movida por Argollo por ofensa ao sindicato, que acabou arquivada.
— O objetivo dele era apenas dizer: "cale a boca". Sou médico e tinha direito a fazer perguntas, de saber o que é feito com meu dinheiro. Foi aí que decidi concorrer à presidência do Simers — afirma.
Em julho, por meio do advogado Flávio Luiz Luly Cavedini, Matias ingressou com uma ação judicial na 11ª Vara Cível do Fórum Central da Capital, solicitando cópias do balanço patrimonial, da demonstração de resultado do exercício, de balancetes mensais e do livro razão do Simers. O objetivo: verificar se existe erro na contabilidade oficial, que não mostraria o desfalque de R$ 2 milhões.
A Justiça ainda não decidiu sobre o pedido de Matias, mas a divulgação dos áudios levou o ginecologista a acreditar que o rombo estaria sendo mantido em sigilo por causa da eleição. Nas conversas gravadas, enfatiza Matias, Argollo disse que não teria como explicar aos médicos o sumiço de dinheiro e que isso, em meio à campanha eleitoral, seria difícil de justificar.
Matias também levanta outra polêmica. Para ele, a renúncia de Argollo o tornou inelegível por três anos — período correspondente ao tempo de mandato —, conforme está previsto no artigo 46 do estatuto social da entidade.
O ginecologista afirma, ainda, estar sofrendo uma espécie de boicote, pois não teria acesso a informações contendo endereço e telefones de médicos votantes para encaminhar material de campanha.
Se isso ocorreu (ameaças), deve ser levado ao conhecimento das autoridades de segurança pública, pois é grave. Estou chocada. Somos médicos muito sérios. Trabalhamos em postos de saúde, em clínicas, em hospitais. Não temos tempo nem perfil para isso
CLARISSA BASSIN
Médica, integrante da chapa 1
— Recebi apenas uma listagem com o nome e o número do registro no Cremers. Enquanto isso, eles (chapa 1, da situação) têm todos os dados — reclama.
Matias acrescenta que vem sofrendo ameaças de processos "todo santo dia", e durante uma recente reunião com apoiadores, conta que tiveram de apagar mensagens dos celulares, pois temiam serem assaltados por ladrões interessados apenas em acessar o conteúdo das conversas do grupo. Matias diz que está arquivando os casos para ingressar com processos posteriores.
Integrante da chapa 1, a médica Clarissa Bassin afirma desconhecer ameaças sofridas por Matias.
— Se isso ocorreu, deve ser levado ao conhecimento das autoridades de segurança pública, pois é grave. Estou chocada. Somos médicos muito sérios. Trabalhamos em postos de saúde, em clínicas, em hospitais. Não temos tempo nem perfil para isso.
Clarissa diz que colegas de profissão não podem "entrar em uma briga fratricida e antiética". Ela salientou que foi por concordância da chapa 1 que o prazo de inscrição para a eleição foi prorrogado em uma semana, para que a chapa 2 não fosse impugnada.
— A chapa 2 teria médicos que nunca foram associados ao Simers. Houve uma reunião com a comissão eleitoral, e aceitamos mudar a data para que os nomes fossem substituídos e ganhassem o direito de concorrer.
Matias rebate dizendo que ocorreram impugnações das duas chapas, corrigidas depois, e que não houve concessões.
Em relação à renúncia de Argollo, Clarissa diz existir parecer jurídico que o autoriza a concorrer nesta eleição, ficando impedido a partir do próximo pleito, em 2021. E ela faz uma revelação:
— O Dr. Argollo encaminhou documento para a chapa 1, afirmando que, em caso de vitória, ele também abdicará do futuro cargo de presidente.
O que diz o Simers
Procurada por GaúchaZH, a entidade emitiu a seguinte nota oficial:
"Após o afastamento do seu presidente, o Simers estabeleceu como prioridade esclarecer os fatos e as denúncias divulgados na última semana. Para tanto, em reunião extraordinária de diretoria realizada na noite de 27 de setembro, foi aprovada a imediata instauração de uma sindicância independente para apurar fatos, revisar contratos e processos internos, bem como adotar providências cabíveis em detrimento dos responsáveis identificados. Tudo visando a preservar a entidade e a continuidade das suas operações, além de defender os interesses de seus associados.
A entidade está comprometida na apuração de eventuais outras irregularidades e na responsabilização dos envolvidos, bem como à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais aos seus associados. Destaca-se que uma das irregularidades denunciadas já havia sido detectada pelo próprio Simers, a partir de um trabalho de revisão de processos e controles internos da entidade, feito com o apoio de consultoria especializada, contratada para esse específico propósito. À época, por decisão da presidência, essa apuração levou ao desligamento dos funcionários envolvidos, à troca dos agentes financeiros e à implementação de novos procedimentos de controle, dentre eles a exigência de que todas as transações do sindicato passassem a ser realizadas por meio eletrônico. Além disso, foi implementado o Manual de Regras de Conduta, com foco em prevenção".
O tamanho do Simers
- Criado em 1931, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), completou 87 anos em maio, somando 15,6 mil associados, mais de metade dos 28,9 mil médicos em atividade no Estado.
- A entidade tem cinco modalidades de sócios, incluindo estudantes de Medicina, com mensalidades entre R$ 22,10 e R$ 168,02. Conforme balanço de 2017 da entidade, a receita bruta somou R$ 44,2 milhões, com superávit de R$ 3,2 milhões.
- Os sócios contam com assistência jurídica e técnica em regime de plantão 24 horas, assessoria contábil para abertura de empresas e consultórios, controle de folha salarial, emissão de documentos para imposto de renda, benefícios previdenciários e aposentadorias.
O que diz a comissão eleitoral do Simers
Para Luiz Carlos Illafont Coronel, presidente da comissão eleitoral do Simers, até o momento, a candidatura de Paulo de Argollo Mendes pela chapa 1 está mantida, apesar do artigo 46 do estatuto da entidade definir que, em caso de renúncia ou abandono do cargo, o dirigente fica inelegível por três anos.
Conforme Coronel, a comissão eleitoral anunciará posição oficial e definitiva sobre o caso nesta segunda-feira (1º de outubro), baseado em parecer técnico de um especialista em direito eleitoral associativo.
Sobre reclamações da chapa 2, Luiz Coronel afirma que desde o início do processo eleitoral as chapas homologadas têm recebido, sem exceções, todo o material a que têm direito.