Um dos interlocutores nos áudios gravados clandestinamente na sede do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), em Porto Alegre, e lançados na internet, o advogado Ricardo Cunha Martins nega qualquer irregularidade em relação aos assuntos tratados com o então presidente da entidade, Paulo de Argollo Mendes. A eleição para o comando da entidade foi parar na polícia após a divulgação das conversas, nas quais são citados o suposto desvio de R$ 2 milhões da entidade em 2017 e a possibilidade de o sindicato abrir uma empresa para investir na compra de campo e criação de gado.
Martins deduz que, pela cronologia das conversas, elas foram gravadas em meados de junho de 2017, logo depois da descoberto um desvio de dinheiro na entidade por uma auditoria.
O advogado afirma não saber sobre valores, mas conta que se refere a recolhimentos mensais de guias do INSS e do FGTS de empregados de consultórios médicos aos quais o Simers presta serviços contábeis (um dos benefícios oferecidos a associados).
— Um funcionário do Simers levava dinheiro a mais para pagamentos em uma lotérica. Sobrava troco, mas não voltava para o Simers. Ficava com alguém — afirma.
O advogado diz que, tão logo soube do caso, comunicou Argollo. Segundo Martins, funcionários do departamento financeiro do sindicato envolvidos no esquema foram demitidos — ele diz não lembrar quantos —, e a entidade adotou novos métodos de controle, com pagamento em banco.
De acordo com o advogado, o assunto foi levado ao conhecimento da diretoria à época, mas acredita que não se tornou público por questões de sigilo interno. Martins não soube dizer se o desvio de dinheiro foi registrado no balanço do Simers, mas enfatizou que o caso ainda está sob apuração.
O advogado também explicou a conversa com Argollo sobre a criação de uma empresa, que seria formada por uma parceria entre o escritório dele e o Simers. Segundo Martins, Argollo havia solicitado a ele um estudo de assessoria jurídica completa aos associados, incluindo pagamento de indenizações em casos de processos que resultam em condenações, pelo fato de crescer muito o número de ações judiciais contra médicos.
Eu estava relatando o projeto a ele (Argollo). Os recursos poderiam ser investidos em imóveis, na criação de gado, compra de campo. Isso é lícito, um lucro legítimo. Não há crime nisso. O projeto não foi implantado, portanto, não há que se falar em futura corrupção, lavagem de dinheiro
RICARDO CUNHA MARTINS
Advogado
Conforme o advogado, a ideia era abrir uma empresa a partir do recolhimento de R$ 50 mensais (equivalente ao custo de 1/3 de uma consulta) dos médicos que aceitassem contribuir, criando um fundo para custear as despesas.
Martins diz que, em média, um processo se estende por quatro anos, e durante esse período, seria possível congelar R$ 50 mil mensais para investimentos, somando R$ 2,4 milhões antes de começar a pagar as condenações.
— Eu estava relatando o projeto a ele (Argollo). Os recursos poderiam ser investidos em imóveis, na criação de gado, compra de campo. Isso é lícito, um lucro legítimo. Não há crime nisso. O projeto não foi implantado, portanto, não há que se falar em futura corrupção, lavagem de dinheiro — assegura Martins.
A proposta não saiu do papel, mas previa instalar a empresa em Brasília, para atender a médicos de outros Estados, como Tocantins e Bahia, que já teriam demonstrado interesse nos serviços.
O advogado está revoltado com a gravação e a divulgação ilegal das conversas revelando o que chamou de "questões de sigilo da entidade".
— Sempre que se tem de dar explicações já se está no prejuízo. A interpretação é livre. Ocorreu uma ilegalidade. Vou aguardar as investigações para depois tomar providências.
Questionado sobre o afastamento de Argollo, Martins respondeu:
— Acho que o Dr. Paulo, homem de 70 anos, passou a se preocupar com a saúde dele. Começou a ser desconstituído moralmente por causa da disputa eleitoral.
O que diz o Simers
Procurada por GaúchaZH, a entidade emitiu a seguinte nota oficial:
"Após o afastamento do seu presidente, o Simers estabeleceu como prioridade esclarecer os fatos e as denúncias divulgados na última semana. Para tanto, em reunião extraordinária de diretoria realizada na noite de 27 de setembro, foi aprovada a imediata instauração de uma sindicância independente para apurar fatos, revisar contratos e processos internos, bem como adotar providências cabíveis em detrimento dos responsáveis identificados. Tudo visando a preservar a entidade e a continuidade das suas operações, além de defender os interesses de seus associados.
A entidade está comprometida na apuração de eventuais outras irregularidades e na responsabilização dos envolvidos, bem como à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais aos seus associados. Destaca-se que uma das irregularidades denunciadas já havia sido detectada pelo próprio Simers, a partir de um trabalho de revisão de processos e controles internos da entidade, feito com o apoio de consultoria especializada, contratada para esse específico propósito. À época, por decisão da presidência, essa apuração levou ao desligamento dos funcionários envolvidos, à troca dos agentes financeiros e à implementação de novos procedimentos de controle, dentre eles a exigência de que todas as transações do sindicato passassem a ser realizadas por meio eletrônico. Além disso, foi implementado o Manual de Regras de Conduta, com foco em prevenção".
O tamanho do Simers
- Criado em 1931, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), completou 87 anos em maio, somando 15,6 mil associados, mais de metade dos 28,9 mil médicos em atividade no Estado.
- A entidade tem cinco modalidades de sócios, incluindo estudantes de Medicina, com mensalidades entre R$ 22,10 e R$ 168,02. Conforme balanço de 2017 da entidade, a receita bruta somou R$ 44,2 milhões, com superávit de R$ 3,2 milhões.
- Os sócios contam com assistência jurídica e técnica em regime de plantão 24 horas, assessoria contábil para abertura de empresas e consultórios, controle de folha salarial, emissão de documentos para imposto de renda, benefícios previdenciários e aposentadorias.