O incidente ocorrido em agosto, na fronteira do Brasil com a Venezuela, em Pacaraima, Roraima, onde brasileiros queimaram um acampamento de imigrantes, expulsando-os do país, fez com que o governo federal precisasse acelerar o processo de interiorização. O objetivo é acalmar os ânimos na cidade e reduzir o número de imigrantes em Roraima, onde as autoridades reclamam de colapso nos serviços públicos. Em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), os venezuelanos começaram a ser levados para diversas regiões do país, em abrigos alugados pela Organização das Nações Unidas (ONU), com apoio de prefeituras e do Exército.
— A preocupação maior do governo brasileiro e dos organismos internacionais, como a Acnur (Agência da ONU para Refugiados), são aqueles que não têm condições de se movimentar no território nacional por conta própria. A situação em Roraima realmente é delicada — relata o ministro do desenvolvimento social, Alberto Beltrame.
O governo federal estima que cerca de 800 venezuelanos cheguem ao Brasil todos os dias, cruzando a fronteira, em Roraima. De acordo com a Organização Internacional de Migrações, ao menos 50 mil pessoas - a maioria em situação de grande miséria - entraram no país vindas da Venezuela até abril de 2018. Representa aumento de mais de 1.000% em relação a 2015.
Desde abril, o governo federal já transferiu de Roraima para outros estados 2.348 venezuelanos. Eles foram levados para São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Manaus, Pernambuco, Paraíba, Distrito Federal, Paraná e Rio Grande do Sul. A meta é transferir mais mil em outubro. As cidades ainda não foram definidas. A estimativa do governo é de que cerca de cinco mil venezuelanos ainda estejam em Roraima.
Em Manaus, o colombiano Sebastian Roa é chefe do escritório da ACNUR, que é a Agência da ONU para Refugiados.
— Então nosso trabalho tem sido focado na identificação dessas pessoas, quais as necessidades, as respostas que elas precisam em relação a emergências, que é abrigo, alimentação. Também proteção básica e consequentemente tentar integrar essas pessoas por meio dos parceiros locais.
Os venezuelanos que chegam a Manaus são encaminhados para abrigos. Para ele, a interiorização é importante, já que a principal porta de entrada no país está quase em colapso.
— Roraima, neste momento, está com uma capacidade de absorção que não está dando conta, justamente pelo processo de ter muitas pessoas ali, da dificuldade de deixar o Estado. Então o que o governo federal, neste momento, e a Acnur estão fazendo é apoiar nessa saída segura e nessa chegada segura. Para ter certeza que essas pessoas serão acompanhadas e que tenham um processo de integração mais eficaz.
Sebastian destaca que, apesar do ódio de alguns brasileiros, como o caso que relatamos em Roraima, também há sensibilidade por parte da população.
— Dois dias depois que os solicitantes de refúgio e refugiados chegaram ao abrigo do Coroado (em Manaus), havia pessoas perguntando como poderiam empregá-los. Então, muitas dessas pessoas estão empregadas dentro de padarias. E principalmente de mercados de microempreendedores, que têm essa sensibilidade e reconhecem que essas pessoas têm uma história e um perfil, de fato, muito atrativo.
A secretária de Trabalho e Assistência Social da Prefeitura de Esteio, no Rio Grande do Sul, Tatiana Tanara, explica que o primeiro passo para os venezuelanos que chegam na cidade é preparar e traduzir todos os currículos deles para depois tentar inseri-los no mercado.
— A gente está fazendo uma força-tarefa para elaborar os currículos e traduzir para o português. Algumas vagas estão surgindo. Depois disso, eles vão nas empresas como qualquer brasileiro para buscar emprego. Na primeira semana, sete deles conseguiram trabalho.
A secretária municipal de Desenvolvimento Social de Porto Alegre, Denise Russo, lembra que os imigrantes precisam ser inseridos inicialmente na rede básica de atendimento. A capital gaúcha recebeu no fim de setembro 70 venezuelanos no processo de interiorização.
— Vamos fazer o cadastramento de todas elas. Inicialmente, vamos verificar a questão da saúde, já que eles vêm de uma situação de fronteira. O importante é que eles tenham acesso a toda nossa rede de saúde, assistência e educação. Depois disso, vamos buscar a colocação deles no mercado de trabalho.
Maria da Graça Gomes Paiva é doutora em Educação e diretora do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul.
— Porque uma das primeiras coisas que se colocam no caso deles é a questão da comunicação. A dificuldade de buscar serviços, como na área da saúde e outros serviços. E entenderem e serem entendidos por causa da questão do idioma.
Segundo a diretora, universidades, como PUC, UniRitter, Unisinos e UFRGS, foram chamadas para dar apoio aos venezuelanos. E cita um exemplo que poderá ser muito útil.
— A UFRGS tem um setor jurídico e uma plataforma chamada Estou Refugiado, que atualmente está sendo utilizada por senegaleses e haitianos. Então é importante que as famílias venezuelanas venham fazer uso dessas plataformas.
O ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, garante que o governo federal vai garantir todos os recursos necessários para prestar atendimento aos venezuelanos.
— O ministério tem um orçamento específico para situações como essa. Não tem faltado recursos e estamos contando também com recursos internacionais.
Apesar da boa vontade do governo federal, a procuradora do trabalho em Pernambuco Janine Rego de Miranda, que coordena o grupo de trabalho instituído para tratar da imigração venezuelana, manifesta preocupação quanto ao futuro dos estrangeiros.
— A pergunta que ainda não foi respondida é: após seis meses, o que esses venezuelanos que não conseguirem trabalho vão fazer? Qual a percepção do governo?