Procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) têm percorrido o país para acompanhar os venezuelanos que chegam em busca de emprego. Conforme o MPT, há diversos relatos de discriminação, exploração, trabalho escravo, trabalho infantil, fraudes trabalhistas, falta de igualdade de oportunidades e xenofobia.
A procuradora do trabalho em Roraima Safira Nila de Araújo Campos tem acompanhado de perto a chegada dos venezuelanos ao Estado.
— Tem situações de trabalho escravo, principalmente em fazendas no interior de Roraima, exploração sexual, trabalho infantil, não pagamento de salário mínimo, não assinatura da carteira de trabalho.
Revalidação de diploma
Safira salienta que é preciso que o governo agilize a revalidação de diplomas, já que muitos dos imigrantes possuem formação acadêmica e qualificação:
— Devido à condição de vulnerabilidade, os imigrantes acabam tendo que se ativar em algumas funções que não são condizentes com a sua formação. Há casos de advogado em caixa de supermercado e engenheiro trabalhando como pedreiro.
Mesmas funções, salários diferentes
A procuradora do trabalho destaca que os casos de discriminação e xenofobia têm aumentado nos últimos meses.
— No Ministério Público do Trabalho, já recebemos denúncias no sentido de contratação de venezuelanos para exercer uma função que o brasileiro também exerce, mas recebem um valor bem abaixo do que seria o devido. Temos relatos de discriminação no ambiente de trabalho, xenofobia.
Medo de denunciar
As denúncias que chegam viram inquéritos civis públicos para investigação. Em caso de comprovação, são adotadas medidas extrajudiciais e judiciais.
Tatiane Menezes do Nascimento é procuradora do Trabalho no Amazonas, Estado que também tem recebido venezuelanos. Conta que os imigrantes têm medo de denunciar que estão sendo explorados e isso dificulta o trabalho de fiscalização:
— Eles mesmos têm percebido e relatado esse tipo de discriminação. Por isso, eles estão com medo de perder o que têm hoje. Ocorre também a diminuição de salário, até por saberem a situação que eles se encontram.
Crianças como mão-de-obra
A procuradora do trabalho relata que além do trabalho escravo, crianças venezuelanas também são flagradas trabalhando.
— O trabalho infantil, infelizmente, acaba acontecendo pela necessidade dos venezuelanos. Eles acham que vindo da situação que eles se encontram, seria interessante que as crianças trabalhassem. Alguns ‘contratam’ os filhos deles, até por entenderem que seriam uma mão-de-obra ainda mais barata do que a dos próprios pais.
Se de um lado há relatos de exploração, Tatiane também traz uma ponta de esperança.
— Essas pessoas que chegaram desde maio, boa parte delas, estão alocadas no mercado de trabalho. Alguns em trabalhos artesanais. Tem trabalhos com carteira assinada, como por exemplo, de garçom. Os restaurantes têm contratado muitos venezuelanos. E esses já estão fora dos abrigos, inclusive.
O MPT no Amazonas e em Roraima já pediu à União que apresente ampla documentação comprovando as ações no processo do fluxo migratório dos venezuelanos. Para os procuradores, o Governo demorou em adotar medidas para acompanhar e desenvolver a inserção dos imigrantes em postos de trabalho digno.
A procuradora do trabalho Janine Rego de Miranda, que coordena o grupo do MPT instituído para tratar da imigração venezuelana, tem percorrido o país para fiscalizar o processo de interiorização.
— Os abrigos, de maneira geral, são bons, são adequados. A alimentação está sendo fornecida. Quanto a isso não está ocorrendo problema. Mas houve um problema em São Paulo quanto ao aliciamento de venezuelanos por bolivianos que já foi encaminhando para a polícia.
Trabalho escravo
Os exemplos de exploração são os mais variados. Em São Paulo, por exemplo, uma família foi retirada de uma oficina de costura, onde trabalhava das seis da manhã às dez da noite, sem intervalos.
Em Boa Vista, dez venezuelanos foram resgatados de um local, onde trabalhavam mais de 12 horas, tinham os vencimentos retidos, não tinham descanso semanal, o alojamento não tinha água potável e recebiam menos de um salário mínimo para carregar estruturas metálicas.
Estrangeiros têm os mesmos direitos dos brasileiros
A juíza do trabalho Valdete Souto Severo, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, alerta para o risco do desmonte dos órgãos que devem fiscalizar esses tipos de casos.
— Como a gente teve nos últimos tempos um desmanche muito grande dos órgãos de fiscalização das condições de trabalho, torna cada vez mais difícil que haja uma fiscalização mais efetiva para impedir. O Ministério Público faz um trabalho muito importante nesse sentido, mas também eles estão com dificuldade em função dessa falta de recursos.
A magistrada lembra que todo o estrangeiro que chega ao país tem os mesmos direitos que os brasileiros.
— Não pode haver diferença de salário se estão realizando a mesma atividade que um trabalhador brasileiro. Todos os direitos que constam na Constituição e na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que não foram alvo do desmanche da reforma trabalhista, são direitos também desses trabalhadores estrangeiros quando eles prestam serviço dentro do território nacional.