Os primeiros imigrantes venezuelanos que chegaram em Esteio, na Grande Porto Alegre, no último dia, aos poucos começam a ganhar oportunidades no mercado de trabalho. Keila Ruiz, 42 anos, deixou a ilha de Margarita, no nordeste de Caracas, com o marido, Richard Ruiz, e os filhos Luan e Andrés, de 14 e oito anos de idade. Devido à crise, a família decidiu deixar tudo para trás e cruzou a fronteira em 27 de agosto para tentar uma vida nova no Brasil. Ficaram duas semanas em Boa Vista, capital de Roraima, e depois viajaram para o Rio Grande do Sul.
Foi por meio de um casal de empresários porto-alegrenses que Keila conseguiu emprego em uma loja especializada em semijoias, no centro de Porto Alegre. A empresária Angela Soares e o marido procuraram a prefeitura de Esteio para oferecer vaga de trabalho aos venezuelanos. Selecionada na entrevista, Keila se emociona ao contar tudo o que passou e comemora o novo desafio.
— É uma oportunidade que sei que poucos temos. Estamos muito agradecidos. É uma experiência maravilhosa. Minhas companheiras de trabalho são muito pacientes, pois não sei português. Nunca imaginei que poderíamos ter essa oportunidade. Queremos dar o melhor de nós para o Brasil. Quero que meus filhos cresçam aqui — disse Keila.
Dos 220 venezuelanos que estão em Esteio, nove conseguiram emprego: três nas áreas de auxiliar de produção e o restante trabalha como pintor, soldador, caseiro, auxiliar de limpeza, auxiliar de carga e descarga e auxiliar de cozinha.
Deste grupo, o jovem Harrison Rengel, 23 anos, foi o primeiro a conseguir trabalho. Religioso, logo que chegou na cidade começou a frequentar uma igreja que fica nas imediações de um dos abrigos que recebem os imigrantes. O pastor da igreja, que é amigo do proprietário de uma lanchonete, indicou Harrison para uma vaga. Como já tinha experiência (trabalhava desde os 16 anos como auxiliar de cozinha), em poucos dias já estava empregado.
— Digo que foi Deus. Só falei com o pastor e ele me indicou. Quando vi, já estava trabalhando. Agora, quero me estabelecer e depois trazer minha mulher — disse o jovem, que deixou Porto la Cruz, onde o salário que ganhava em um mês dava para comprar apenas dois sacos de arroz, um de feijão e um frango.
Para matar a saudade da esposa e dos pais, o jovem conta com ligações telefônicas diárias e muitas mensagens no WhatsApp. O caminho até Esteio foi difícil. Harrison percorreu 172 quilômetros de fronteira a pé até chegar em Boa Vista, capital de Roraima, em março. Por dois meses, dormiu na praça Simón Bolívar, com centenas de outros venezuelanos. Para matar a fome, revirava lixeiras e comia restos.
— É uma experiência para toda a vida — recorda.
Enquanto Keila e Harrison ainda comemoram os primeiros dias de trabalho, a maioria dos imigrantes distribui currículos, começa a aprender melhor o português e alimenta a esperança de também conseguir emprego logo. O chefe de cozinha Miguel Patacon, 23 anos, está no Brasil há seis meses, quatro deles dormindo na rua em Roraima, antes de ir para um abrigo. Em Esteio, com outros quatro imigrantes, trabalha como voluntário do projeto Conta Comigo da prefeitura, criado para atrair e capacitar voluntários a atuarem em diversas ações realizadas na cidade.
— A busca por trabalho é difícil, mas não impossível. Fiz duas entrevistas e o resultado sai na próxima semana. Sou chef, mas a vaga é para auxiliar de cozinha. Nesse momento, o que queremos é trabalhar humildemente, dignamente, para ajudar nossas famílias e nos manter — afirmou o jovem, que tem dois filhos na Venezuela e viajou sozinho para o Brasil.
Do grupo que está em Esteio, 32 são crianças e adolescentes, dos quais que 17 estão em idade escolar. De acordo com a prefeitura, todos estão matriculados e frequentando as aulas. José Eliezer Betancourt Rodriguez, 16 anos, mora no abrigo com o pai (que trabalhava como segurança), a mãe e outros quatro irmãos. Moradores de Puerto Ordaz, cidade localizada no Estado de Bolívar, nordeste da Venezuela, chegaram no Brasil há quatro meses.
— Em Roraima, foi muito ruim. Os brasileiros nos xingavam, nos agrediam nas ruas. Um dia, um homem sacou uma arma para mim pensando que iria roubá-lo. Aqui, estou muito bem. Comecei a ir na aula recentemente. A recepção dos colegas foi ótima — conta Rodriguez, que está no 9º ano do Ensino Fundamental e diz ter o sonho de trabalhar como médico patologista forense no futuro.
Além de Esteio, Canoas começou a receber imigrantes no começo deste mês. Dos 309 venezuelanos que residem na cidade, 119 estão com os currículos cadastrados no Banco de Oportunidades, site no qual empresas divulgam vagas de estágio e de trabalho. Até agora, 38 currículos foram encaminhados para entrevistas, sendo que 11 estão em processos de seleção e três foram efetivados.
Conforme a prefeitura de Canoas, há venezuelanos com experiências diversas, como auxiliar de cozinha e padaria, pedreiro, ajudantes, serventes, operadores de caixa, seguranças, entre outros. No Estado, também há imigrantes em Porto Alegre, Cachoeirinha e Chapada. Ao todo, são 642 venezuelanos no Rio Grande do Sul.