Marcada para novembro, a escolha da empresa que vai assumir trechos das BRs 290 (freeway), 386, 101 e 448 (Rodovia do Parque) por 30 anos poderia ter sido adiantada em quase um ano. O atraso ocorreu devido a irregularidades na primeira versão do edital de concessão, documento elaborado a partir de estudos entregues pela Triunfo Participações e Investimentos, controladora da Concepa, que deverá participar do certame.
De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o levantamento trouxe omissões e erros de cálculo. Além disso, a partir de investigações da Polícia Federal (PF), foram encontrados indícios de que diretores da empresa incluíram obras desnecessárias no estudo, visando a futuras renegociações de contrato, com impacto na tarifa de pedágio.
Após análise da Corte, os investimentos e custos operacionais previstos para os 30 anos de contrato foram reduzidos em cerca de R$ 1,5 bilhão. A tarifa básica da licitação prevista para o pedágio é de até R$ 7,24 para carros de passeio. Se os dados informados não fossem revistos, esse valor chegaria próximo de R$ 8.
A primeira versão do edital chegou ao TCU em 31 de agosto de 2017, quase um mês após o fim do contrato de concessão da freeway à Concepa. Devido às irregularidades observadas, a análise que deveria ser concluída em 60 dias acabou se estendendo por nove meses.
— Demorou bastante pela qualidade dos estudos apresentados, que foi aquém do esperado (...) O processo acabou atrasando bastante. Com certeza, a consequência foi essa aí que a gente está vendo hoje — relata o diretor da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária do TCU, Fábio Amorim.
Amparados por investigações da PF, técnicos do Tribunal sustentam que a Triunfo identificou obras previstas no edital que poderiam ser utilizadas como vantagem competitiva no futuro leilão. Com isso, seria possível oferecer preços de pedágio menores que os adversários, prevendo modificações posteriores no contrato para incluir alternativas mais baratas.
Como exemplo, é citada a possibilidade de substituir a construção de uma quinta faixa na BR-290, entre Gravataí e Osório, pela simples reversão de tráfego no trecho. Se fosse executada, a troca representaria economia de R$ 250 milhões à companhia. Em mensagens eletrônicas apreendidas, integrantes da Triunfo discutiam otimizações do projeto, “principalmente procurando levantar as gorduras”.
TCU pede 28 alterações
O TCU ainda contestou outros pontos. Referente à duplicação da BR-386, o pavimento previsto é o mesmo para todos os trechos que receberão novas faixas, desconsiderando diferenças no volume de tráfego, encarecendo a obra. Já o número de 12 roçadas por ano nas rodovias concedidas foi considerado alto. Estudos apreendidos com a Concepa mostravam que o suficiente seriam oito.
Em conversas interceptadas apreendidas pela PF, membros da Concepa mencionam que a retirada de investimentos inicialmente previstos seria uma “boa ideia”, considerando a expectativa de incluí-los em adequações futuras do contrato.
Apesar da identificação de problemas na primeira versão, a ANTT foi resistente em alterar pontos do edital, mesmo com indícios de irregularidade. A queda de braço entre o TCU e a agência foi aplacada somente a partir da intervenção do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, que concordou em adotar algumas das medidas sugeridas mesmo antes da conclusão da análise da Corte.
– Os ânimos estavam um pouco acirrados (...) Deixamos claro que, como órgão de fiscalização, o TCU desejava que não se repetissem os erros do passado (em outras concessões) – relata o procurador do Ministério Público de Contas da União Marinus Eduardo de Vries Marsico.
A conclusão da análise da Corte de Contas ocorreu em maio deste ano, com a publicação do acórdão votado em plenário pelos ministros do órgão. Ao todo, foram determinadas 28 alterações no edital, entre elas, a redução do tempo da possibilidade de renovação após o período de 30 anos do contrato. A redação inicial previa que o vínculo poderia ser estendido por igual período. Posteriormente, o limite foi redefinido para 10 anos, caso haja a necessidade de reequilíbrio financeiro.
— Há um processo na Polícia Federal que poderá apurar devidamente isso (...) A nossa questão é mais econômica, de preservar o bolso do usuário e do contribuinte — relata o diretor da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária do TCU, Fábio Amorim.
Edital aberto
O recebimento das propostas para assumir a concessão dos 473,4 quilômetros de rodovias gaúchas está previsto para novembro. A assinatura do contrato com a empresa vencedora deverá ocorrer em fevereiro do próximo ano. O edital prevê a instalação de praças de pedágio na BR-101 (Três Cachoeiras), BR-290 (Gravataí e Santo Antônio da Patrulha) e BR-386 (Montenegro, Paverama, Fontoura Xavier e Victor Graeff). A BR-448 não será pedagiada.
Contrapontos
O que diz a Triunfo Concepa:
O Estudo contratado pelo governo é Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e não projeto executivo. O Estudo que a Triunfo Participações e Investimentos (TPI) apresentou foi aprovado pelo Governo conforme portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU). O que foi apresentado pela TPI foi o que o Governo contratou e deliberou ao longo de diversas reuniões com a Comissão de Seleção. Essas informações disponibilizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) não faziam parte do objeto de entrega e são posteriores à aprovação do EVTEA.
O que diz a ANTT:
O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para a realização dos estudos de viabilidade para a concessão da Rodovia de Integração do Sul (RIS) foram iniciados ainda em 2015, sob a condução do Ministério dos Transportes. Os Estudos de Viabilidade apresentados passaram por diversos ajustes, antes mesmo de serem encaminhados à ANTT, o que ocorreu em fins de 2016. Também foram realizadas alterações após a Audiência Pública sobre os estudos e as minutas de Edital e Contrato, processo que contou com mais de 600 contribuições. Um grande número de contribuições recebidas se tratou de pedidos da sociedade para que o processo fosse prolongado, para o amadurecimento e aperfeiçoamento do projeto da nova concessão. A ANTT atendeu a esse pedido da população, o que também alterou o cronograma do processo licitatório.
Em agosto de 2017, os estudos da RIS foram atualizados e protocolados no TCU, com vistas à sua análise, para a publicação do edital de concessão. Foram realizadas diversas reuniões com o Tribunal, e os posicionamentos técnicos do TCU sobre a questão adentraram em temas regulatórios controversos e complexos, o que tornou necessário que a ANTT demonstrasse o impacto de certas recomendações/determinações para as concessões administradas pela ANTT. Esse processo resultou em inovações em diversos pontos do contrato, gerando importantes avanços no modelo regulatório. Diversas lacunas regulatórias foram preenchidas, oferecendo novos instrumentos para que os contratos sejam mais rigorosos mas, ao mesmo tempo, suficientemente dinâmicos para atender às mudanças que ocorrem ao longo dos 30 anos de concessão. Entretanto, o primeiro posicionamento técnico do Tribunal foi emitido somente em dezembro/2017, e o Acórdão foi publicado em maio/2018.Desta maneira, conclui-se que desde 2015 os estudos foram extensamente criticados, ajustados durante todo o processo, e não apenas durante as discussões com o TCU.
A possibilidade de prorrogação do prazo de vigência da concessão está prevista expressamente na Constituição Federal, bem como regulada nas leis 8.987/95, 10.233/01 e 13.448/17. Sobre a possibilidade de prorrogação da concessão até o número de anos firmado em contrato, aclaramos que tal dispositivo já havia sido utilizado na 3ª etapa de concessões rodoviárias. Não foi um dispositivo, portanto, desenvolvido especificamente para o projeto da Rodovia de Integração do Sul – RIS. Informamos que o Edital foi publicado prevendo, em contrato, as possibilidades de prorrogação ordinária por até 5 anos, e até 10 anos para os casos em que seja necessário o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A ANTT possui, além do corpo técnico e gerencial em Brasília, uma Unidade Regional no Rio Grande do Sul, localizada em Porto Alegre, na qual existe uma Coordenação responsável pela fiscalização das rodovias concedidas no Estado. Esta Coordenação conta com Especialistas em Regulação capacitados para realizar as atividades de fiscalização necessárias. Além disso, a ANTT realiza contratações de apoio técnico para as atividades de fiscalização, que são custeadas pela Verba de Fiscalização, recolhida à ANTT pela concessionária – conforme contrato de concessão.
Cabe destacar também que a gestão dos contratos de concessão federais passa por constante aperfeiçoamento. Atualmente, inclusive, a ANTT está preparando editais para a contratação de empresas de supervisão e gerenciamento e para a implantação de um Centro Nacional da Supervisão Operacional (CNSO), iniciativas que ampliarão ainda mais a capacidade de fiscalização da Agência, agregando mais recursos humanos e tecnológicos.