A paralisação dos caminhoneiros terminou, mas seus efeitos ainda abalam a operação de setores da indústria gaúcha. Após o fim da greve, a tensão voltou a crescer entre empresários do Estado com a confirmação da tabela de preços mínimos de fretes, divulgada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A medida, adotada pelo governo federal no último dia 30 para encerrar os bloqueios em estradas, é alvo de enxurrada de críticas de entidades por conta da elevação nos custos para o translado de mercadorias. O presidente em exercício da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Cezar Luiz Müller, afirma que a tabela pode dobrar ou até triplicar o custo de fretes em diferentes segmentos.
– Entendemos que o controle de preços não é algo salutar. Não queremos que a lei de oferta e procura seja revogada. Defendemos a livre iniciativa. Com os preços mínimos, alguns fretes podem subir até 150% – avaliou Müller.
A definição da ANTT tem como base a quantidade de quilômetros rodados e o número de eixos carregados dos caminhões. Na tabela, o transporte de mercadorias foi dividido em cinco tipos de carga: geral, granel, frigorificada, perigosa e neogranel.
Por conta das críticas recebidas, a autarquia anunciou alterações em trechos da resolução no começo da noite de quinta-feira (7). No Rio Grande do Norte, em caráter liminar, a Justiça Federal conseguiu suspender a medida para duas empresas. Em solo gaúcho, a Fiergs não descarta recorrer aos tribunais para revertê-la.
– Defendemos negociações entre os entes envolvidos. O país precisa encontrar uma solução. Mas, sem dúvidas, cogitamos a possibilidade entrar na Justiça em defesa de nossos interesses – declarou Müller.
Segundo a Fiergs, a tabela de preços gera aumento nos fretes em todo o setor produtivo. Na quarta-feira, em nota, a entidade declarou que, por conta da resolução da ANTT, a indústria estava “na iminência de paralisar a produção”. Entre os segmentos mais afetados pela elevação nos custos, está o de alimentos, disse Müller.
– Da noite para o dia, a tabela mais do que dobrou os preços de alguns fretes. Há impasse até para o recebimento de produtos – relata o diretor da Conservas Oderich e presidente do Sindicato das Indústrias da Alimentação do Estado do Rio Grande do Sul, Marcos Oderich.
Conforme o empresário, antes da edição da tabela, sua companhia, localizada em São Sebastião do Caí, enviava um contêiner com 22 a 24 toneladas de mercadorias ao porto de Rio Grande por cerca de R$ 1,6 mil. Hoje, o deslocamento entre o Vale do Caí e a Zona Sul sai por R$ 3,9 mil, alta de 143,8%. Do terminal, esses produtos são enviados às regiões norte e nordeste do país.
Outra atividade que sente o aumento nos custos dos fretes é a de panificação. O Sindipan-RS, que representa as indústrias do setor, sublinha que a alta atinge toda a cadeia produtiva, desde os moinhos que fabricam farinha de trigo até as padarias.
Segundo o vice-presidente da entidade, Arildo Bennech Oliveira, antes da tabela, uma empresa que enviava, por caminhão, 30 toneladas de pão congelado para um destino como Salvador, na Bahia, gastava em torno de R$ 17 mil. Com a mudança nos preços, esse frete subiu 76%, para cerca de R$ 30 mil.
– O setor já estava sendo afetado pelo custo do trigo no mercado internacional, impactado pela alta no dólar. Os estoques no Estado terminaram, e as empresas têm de importar de países como a Argentina – frisa Oliveira.
Setores considerados exportadores, como o calçadista, ainda analisam os impactos da mudança nos fretes. Nesses segmentos, há o risco de multa em caso de não cumprimento do prazo de entrega das mercadorias.
– Estamos avaliando os efeitos e possíveis ações que podem ser tomadas – ressalta Heitor Klein, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), com sede em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
Além da ausência de carregamentos, paralisação de negócios preocupa
No agronegócio gaúcho, também brotam críticas à tabela de preços mínimos de fretes. O transporte de grãos como soja está praticamente parado no Rio Grande do Sul, afirma o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja-RS), Luis Fernando Fucks.
Segundo cálculo da entidade, o preço de frete por tonelada do item, em um trajeto de cerca de 600 quilômetros, até o porto de Rio Grande, na Região Sul, saía por em torno de R$ 85 antes da tabela. Após a alteração nos valores, saltou para R$ 130.
– Os valores de fretes ficaram muito altos. Distorceram o mercado. Estão fora da realidade – define Fucks.
Além da falta de carregamentos, cerealistas também demonstram preocupação com o fato de corretoras terem paralisado negócios no Rio Grande do Sul, assim como vem ocorrendo em outros Estados.
– A tabela é impraticável. Causará prejuízo enorme para empresas. Aguardamos uma revisão nessa medida – frisa o presidente da Associação de Empresas Cerealistas do Estado (Acergs), Vicente Barbiero.
A apreensão entre empresários cresceu por conta de declarações de líderes de entidades que representam caminhoneiros em defesa da tabela. Entretanto, até no setor de transportes a medida é questionada.
– A tabela foi elaborada de forma incompetente. Fez com que as companhias parassem de transportar. A medida não tem condições de se sustentar. Até o final da semana, deve cair – ressalta o vice-presidente de logística do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no RS (Setcergs), Frank Woodhead.
Para o dirigente, a solução para o impasse passa pelo diálogo entre as partes envolvidas. Segundo ele, o Setcergs “pressiona por mudanças na tabela”.
Durante a greve dos caminhoneiros, o Setcergs entrou na mira de investigação federal por suspeita de locaute – quando empresas estimulam empregados a não trabalhar, por interesse direto delas. Na ocasião, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou procedimento preparatório para apurar eventuais infrações.
– Agora que os ânimos se acalmaram um pouco, foi possível ver que caminhões de empresas ficaram presos em manifestações, sem ter como sair – afirma Woodhead.