O dia 21 de maio de 2018 foi marcado pelo início da greve dos caminhoneiros com maior impacto para a população até hoje. Durante dez dias, a falta do transporte de cargas pela adesão da categoria ou pelo bloqueio de estradas refletiu na saúde, na educação, no transporte, no setor de alimentos e na falta de combustível nos postos, por falta de caminhões para fazer o transporte.
A primeira proposta, apresentada em 24 de maio, e rejeitada pela maioria da categoria, previa, entre outros pontos, a promessa do governo de atender 12 reivindicações dos caminhoneiros, entre elas zerar a Cide sobre o diesel e baixar em 10% o preço do combustível nas refinarias por 30 dias. A segunda proposta, apresentada no dia 27 de maio, foi aceita pela categoria. Ela estipula a redução de R$ 0,46 no litro do diesel, tabela mínima para o frete e isenção de pedágio para eixos suspensos, entre outros itens. A partir desta aceitação, a greve acabou sendo desmobilizada.
Passados os dez dias da greve, no qual as reivindicações estavam voltadas a questões financeiras, a preocupação dos transportadores volta a ser uma dor de cabeça antiga, mas sempre atual do setor: o roubo e furto de cargas.
Os números
O número de ocorrências de roubo e furto de cargas no país cresceu 80% nos últimos cinco anos, conforme o balanço mais recente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística). Foram 14,4 mil casos em 2012 contra 25.950, em 2017. Não há levantamento parcial nos primeiros meses de 2018, mas o setor deve registrar queda nesses números, principalmente pela mobilização de dez dias ocorrida em maio.
O prejuízo com as mercadorias roubadas também cresceu, passando de R$ 960 milhões para R$ 1,57 bilhão — um salto de 63%. A região Sudeste lidera o ranking de roubo de cargas (85,53%), seguida do Nordeste (5,83%), Sul (5,55%), Centro—Oeste (2,46%) e Norte (0,63%). Houve avanço no número de ocorrências nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul e leve queda no Norte e Centro-Oeste. Já em relação ao prejuízo dos transportadores, a região Sul foi a única que registrou queda, de R$ 205,02 milhões para R$ 152,66 milhões, entre 2016 e 2017.
Os produtos mais visados são alimentos, cigarros, eletroeletrônicos, medicamentos, combustíveis, bebidas, autopeças, têxteis e confecções e produtos químicos.
Vítimas dos criminosos
Gerente de uma das maiores transportadoras de medicamentos e cosméticos do Rio Grande do Sul, um empresário que prefere não revelar o nome conta que nos últimos anos foram mais de 15 assaltos. A empresa atende mais de 200 cidades. Até agora, ele só conseguiu recuperar uma entre todas as cargas levadas pelos criminosos. Segundo ele, a cada assalto os prejuízos são enormes.
— Hoje, na nossa área, o custo fica com a transportadora. Como transportamos medicamentos, nenhuma empresa costuma fazer o seguro. Assim, acabamos fazendo a indenização para as distribuidoras. Caminhoneiros são rendidos e até levados para outras cidades. Além da indenização, tem toda uma burocracia de emissão de documentos por ser carga controlada. Nos casos das cargas recuperadas, muitas vezes as distribuidoras acabam nem querendo receber, pois não sabem como o produto ficou armazenado, após o roubo.
Outro problema é que perdemos motoristas. Eles não querem mais trabalhar, pois ficam na mira de armas
GERENTE DE UMA DAS MAIORES TRANSPORTADORAS DE MEDICAMENTOS E COSMÉTICOS DO RS QUE PEDIU PARA NÃO SER IDENTIFICADO
O ajudante Junior Cruz até hoje não esquece os momentos em que ficou na mira de uma arma na BR-386. Ele e o caminhoneiro da empresa em que trabalha foram abordados no momento em que chegavam para entregar embutidos em um estabelecimento de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Os criminosos abordaram os dois. Um deles entrou no veículo e mandou o caminhão seguir pela BR-386. Júnior e o colega foram soltos somente uma hora depois do assalto.
— Eram 7h quando a gente chegou no cliente. Eles nos abordaram, mandaram colocar a mão na cabeça e seguimos para a rodovia sob a mira da arma. É muito complicado, uma sensação que eu não desejo nem para meu pior inimigo — afirmou Júnior.
Mandaram colocar a mão na cabeça e seguimos para a rodovia sob a mira da arma
AJUDANTE DE MOTORISTA - JUNIOR CRUZ
Uso de calmantes após assaltos
Foi em São Paulo que o caminhoneiro gaúcho Elias Ricardo de Oliveira, que trabalha no ramo há 20 anos, passou os piores momentos da sua vida. O motorista teve o caminhão, que estava carregado de material de construção, roubado pelos criminosos.
— Os bandidos me pegaram na Serra do Azeite, no município de Cajati, no estado de São Paulo. Era próximo da meia-noite. Subiram no caminhão em movimento, tiraram as mangueiras que fazem a frenagem do veículo. Houve toda aquela gritaria, com armas, pressão psicológica. Me levaram para o meio do mato e o caminhão seguiu viagem. Passei a noite amarrado e eles falavam que se desse algo errado iriam me matar.
Por causa do assalto, Elias conta que até hoje tem dificuldade para trabalhar e toma remédios controlados.
Passei a noite amarrado e eles falavam que se desse algo errado iriam me matar
CAMINHONEIRO ELIAS RICARDO DE OLIVEIRA
— É complicado. Hoje ainda viajo, mas por duas vezes já parei com tudo. A insegurança está pior. Para você pernoitar em um posto não tem segurança. Para pernoitar na frente de uma empresa não tem segurança — afirmou Elias.
Um outro caminhoneiro ouvido pela reportagem, que não quis se identificar, não chegou a ter contato com os criminosos. Bastou ele estacionar o veículo carregado com carga de alimentos por três minutos na região do Vale dos Sinos, em um posto de combustíveis, e tudo foi levado.
— Parei no restaurante para comer. Em três minutos, eles conseguiram entrar e levar o caminhão. Aí você vai na polícia e tem que ouvir dos próprios policiais que não tem o que fazer, exceto se o veículo cair em uma barreira. Tempo depois eu achei o caminhão em Campo Bom, abandonado e depenado — declarou o motorista.
Aí você vai na polícia e tem que ouvir dos próprios policiais que não tem o que fazer
CAMINHONEIRO QUE PEDIU PARA NÃO SE IDENTIFICAR
Escolta para transportar passageiros
Para evitar ataques nas rodovias, algumas empresas optam pela segurança privada. No entanto, essa medida acaba saindo mais caro. Além de impactar no transporte de cargas, os assaltos em rodovias refletem também no transporte de passageiros. Empresas de ônibus que fazem viagens de longa distância têm optado por escolta. O empresário Daniel Araújo, da empresa Dani Tur, explica que a medida acaba impactando no valor das passagens, já que as empresas gastam, em média, R$ 3 mil com segurança.
— Há alguns meses contratávamos escolta armada a partir dos pontos onde os assaltos eram mais comuns. Hoje não mais. Os casos aumentaram muito. Com isso, já se sai da origem com a escolta, seja de Porto Alegre ou de outro município. Isso, obviamente, acaba encarecendo o valor das passagens para quem vai fazer compras.
Confira os áudios das reportagens:
Matéria 1
Matéria 2