A Polícia Federal dedica cerca de 50 páginas do relatório final da Operação Ouvidos Moucos exclusivamente para narrar o suposto envolvimento do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier com o grupo investigado. A PF observa que a morte dele garante a extinção da punibilidade, mas estrutura uma série de tópicos "a fim de demonstrar seu envolvimento com os fatos investigados". Conforme o documento, "seu papel era de garantidor da hegemonia do grupo no poder e em troca recebia apoio político".
Cancellier foi encontrado morto em outubro de 2017 em Florianópolis. Segundo a Polícia Militar, ele teria se atirado do vão central de um shopping da cidade.
O relatório aponta que Cancellier teria nomeado membros do grupo investigado para postos de comando no ensino a distância da UFSC e que, ao mesmo tempo, "buscou conter os danos" ao ter conhecimento das irregularidades, promovendo "mudanças pontuais" na Secretaria de Educação a Distância (Sead) e no núcleo do programa Universidade Aberta (UAB).
A PF também reproduz uma troca de mensagens pelo aplicativo WhatsApp entre Luiz Carlos Cancellier e o ex-reitor da UFSC Álvaro Prata, ocorrida no dia 10 de maio de 2017, ou seja, mais de quatro meses antes de a operação Ouvidos Moucos vir à tona. Na ocasião, Prata avisaria ter conhecimento de "uma ação da PF em curso e em sigilo envolvendo recursos da Capes e o ensino a distância na UFSC".
A Polícia Federal aponta a conversa como um dos motivos para que dois meses depois Cancellier tenha tentado a avocação (tomar para si) do processo interno da corregedoria da UFSC, que apurava as mesmas irregularidades investigadas pela PF. "Fica explicada toda a movimentação do então reitor a fim de avocar a investigação e dificultando a apuração das irregularidades no ensino a distância na UFSC", destaca o relatório.
Quando as prisões foram decretadas, em setembro, a justificativa para a prisão temporária do então reitor era de que ele tentava atrapalhar as investigações. Em depoimento à Polícia Federal após a prisão, Cancellier disse ter sido informado sobre possíveis irregularidades na gestão do ensino a distância somente no segundo trimestre de 2017.
O relatório da PF, no entanto, contesta a afirmação e indica que o ex-reitor foi comunicado ainda em 2016. No documento, os investigadores destacam o depoimento da ex-coordenadora do curso de Admnistração a distância, Taísa Dias, que afirma ter procurado Cancellier para denunciar irregularidades em 2016. Em depoimento, ela conta que o ex-reitor sugeriu que ela "guardasse a pastinha" em que levava os documentos apresentados à reitoria.
Também em depoimento, o professor Luiz Felipe Ferreira, chefe do Departamento de Ciências Contábeis, disse ter presenciado o mesmo encontro e que, na ocasião, Cancellier não quis receber a documentação da professora e sugeriu que ela preparasse um dossiê. A PF ainda reproduz o testemunho do corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, em que diz ter ouvido de Cancellier para "não levar adiante a apuração em questão".
Conforme o relatório, na condição de "precursora da revelação" a professora Taísa virou alvo de uma articulação "arquitetada" por Cancellier para que fosse retirada do posto de coordenadora. Em outro depoimento destacado, a coordenadora do curso presencial de Administração, Evelize Welzel, conta ter sido convidada a apoiar um candidato de Cancellier em campanha na UFSC, mas que exigiu o compromisso de apuração das irregularidades. Em resposta, Cancellier teria afirmado que aquele "não era assunto de interesse no momento".
"O então reitor, como dirigente máximo da instituição, deveria, de fato, tentar preservar a instituição, auxiliando na realização de uma apuração séria, isenta, sobre o ocorrido, e não obstaculizando a investigação em curso, o que ocorreu", narra o relatório.
A PF ainda cita que, entre 2008 e 2016, Luiz Carlos Cancellier teria sido beneficiário de R$ 376.033 oriundos de projetos via fundações de apoio à UFSC e de bolsas do sistema UAB/Capes. Desse montante, R$ 227.789 seriam decorrentes de projetos de ensino a distância. O relatório observa que o ex-reitor teria sido beneficiário de projetos coordenados por outros indiciados (Gilberto Moritz, Alexandre Marino Costa e Maurício Fernandes Pereira), mas não há menção de irregularidade no recebimento do dinheiro.
Filho de ex-reitor é indiciado por "movimentações suspeitas"
O nome de Mikhail Vieira de Lorenzi Cancellier, filho do ex-reitor, também surge no relatório da Polícia Federal. O documento aponta "movimentações suspeitas" repassadas da conta bancária do coordenador do Lab Gestão, Gilberto Moritz, em favor de Mikhail em 2013. O relatório indica uma "triangulação financeira", em que Moritz receberia valores a título de "bolsa simulada"e aqueles mesmos valores seriam repassados ao filho do ex-reitor poucos dias depois.
O projeto vinculado à bolsa teria coordenação do próprio Cancellier. A soma dos repasses seria de R$ 7,1 mil. Ainda conforme o relatório, Mikhail Cancellier não apresentou justificativa para receber os repasses e, por isso, foi indiciado por peculato.