
Enquanto não chega a batalha de Brasília, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), confira todos os movimentos dos promotores do MP-RS, dos advogados dos réus, da associação dos familiares das vítimas e do Tribunal de Justiça desde a noite de 27 de janeiro de 2013.
Em 2013
Em 28 de janeiro, dia seguinte à tragédia que matou 242 pessoas e deixou centenas de feridos em Santa Maria, foi decretada a prisão temporária dos sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (o Kiko) e Mauro Hoffmann, e dos músicos da banda Gurizada Fandangueira Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos.
No dia 22 de março o inquérito foi finalizado. Trata-se do maior já registrado pela Polícia Civil gaúcha, com mais de 13 mil páginas e 810 depoimentos. Foram responsabilizadas 28 pessoas, 16 delas, entre sócios da boate, bombeiros, secretários municipais e servidores da prefeitura, indicados criminalmente. Os outros 12 foram relacionados como possíveis responsáveis. Entre estes estão o então prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (atual secretário estadual da Segurança Pública), o ex-secretário de Controle e Mobilidade Urbana Marcelo Zappe Bisogno e o comandante dos Bombeiros no município, Moisés Fuchs.
Logo depois, em 26 de março, Jader Marques, advogado de Kiko, ingressou no Tribunal de Justiça do RS com notícia-crime contra o promotor Ricardo Lozza, na qual afirma que "a tragédia foi consequência da omissão do Ministério Público, do Corpo de Bombeiros e da prefeitura". Lozza assinou, em 2011, um termo de ajustamento de conduta com os donos da Kiss para resolver um problema com a vizinhança em razão do barulho na boate. Foi no curso desse processo que os donos da casa noturna instalaram espuma imprópria no teto. No incêndio, o material liberou a fumaça tóxica responsável pela maioria das mortes.
Dos 16 indiciados, o MP-RS denunciou sete pessoas e uma oitava que não constava nas conclusões da polícia. A acusação, assinada pelos promotores Joel Dutra e Maurício Trevisan no dia 2 de abril, decidia não incluir o prefeito e fiscais municipais – o que revoltou os pais das vítimas. Em 4 de abril, o MP-RS, por meio do então procurador-geral de Justiça Eduardo de Lima Veiga, arquivou o pedido de apuração da possível responsabilidade penal do promotor Ricardo Lozza no incêndio.
No dia 29 de maio, o TJ-RS revogou as prisões, e todos passam a responder ao processo em liberdade. O tribunal arquivou, em dezembro, a denúncia-crime contra o promotor Lozza.
Em 2015
Em 31 de julho, Irá Beuren, conhecida por Marta, mãe de uma das vítimas, virou alvo de ação por danos morais movida pelo promotor aposentado João Marcos Adede y Castro e pelo filho dele, Ricardo Luís Schultz Adede y Castro. O motivo foi um artigo publicado por Irá em 6 de maio.

No dia 1º de setembro, o ex-chefe dos Bombeiros de Santa Maria, major Gerson da Rosa Pereira, foi condenado a seis meses de detenção por fraude em documentos do inquérito policial que apurou o incêndio. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade. Ele ainda recorre.
No dia seguinte, 2 de setembro, o presidente da associação dos familiares, Sérgio da Silva, e seu vice, Flávio da Silva, foram processados por promotores do MP-RS por calúnia e difamação. Paulo Carvalho, diretor jurídico da associação, também foi acusado.
Os promotores ofereceram acordo aos pais processados em 7 de outubro. A proposta envolvia pagamento de um salário mínimo, doações de cestas básicas a casas de caridade e retratação pública. Os pais teriam a obrigatoriedade de se apresentarem à Justiça a cada três meses. Eles não aceitaram a proposta.
Em 25 de novembro, Sérgio e Flávio requisitaram à Justiça o direito à exceção da verdade (recurso para provar que não caluniaram o promotor, ou seja, que falaram a verdade sobre o MP-RS saber de irregularidades).
Na Justiça Militar, em junho, ocorreram condenações por declaração falsa na concessão do alvará de funcionamento da boate. Em dezembro, a segunda instância aumentou penas e sentenciou um acusado que havia sido absolvido. Em outubro de 2016, o pleno do Tribunal de Justiça Militar (TJM) julgou recurso e tomou sua decisão mais recente: Moisés Fuchs, tenente-coronel da reserva e ex-comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros (CRB), teve fixada pena de um ano e três meses de prisão, o capitão Alex da Rocha Camillo, de um ano, e o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano voltou a ser absolvido. O MP-RS recorreu. Todos seguem livres.
Em 2016
No dia 9 de março, a promotoria de Santa Maria recomendou o arquivamento do inquérito que apurava responsabilidades de Schirmer e servidores municipais.
Em 27 de julho, a Justiça de Santa Maria acolheu a denúncia do MP-RS e determinou que os quatro réus pelas mortes no incêndio sejam julgados pelo Tribunal do Júri.
O Conselho Superior do Ministério Público acatou sugestão do MP-RS e sepultou a apuração contra Schirmer e servidores no dia 9 de novembro.
Em 2017
No dia 22 de março, o TJ negou recurso dos quatro réus por 242 homicídios e 636 tentativas no incêndio, mantendo a decisão de que fossem julgados pelo Tribunal do Júri. Mas foram afastadas as qualificadoras (motivo torpe e meio cruel), que, em caso de condenação, tornariam as penas maiores. Tanto a defesa quanto o MP-RS recorrem.
Por 20 votos a dois, em 26 de junho, o TJ-RS rejeitou o pedido de exceção da verdade feito por Sérgio e Flávio. No mesmo dia, os promotores do MP-RS anunciaram que pediriam a absolvição dos dois e de Carvalho, porque o objetivo das ações (cessar as ofensas e mostrar a correção dos promotores) havia sido atingido.
Em 18 de julho, o juiz Leandro Augusto Sassi, da 2ª Vara Criminal de Santa Maria, absolveu Carvalho, mas desconsiderou o pedido do MP-RS, afirmando que era tardio.
No dia 31 de julho, o juiz Carlos Alberto Ely Fontela, da 3ª Vara Cível de Santa Maria, julgou improcedente a ação indenizatória contra Irá Beuren por entender que aceitar a alegação seria ferir o direito à liberdade de expressão.
O TJ aceitou recurso dos réus em 1º de dezembro, decidindo que eles não serão julgados pelo Tribunal do Júri, mas sim por um juiz criminal de Santa Maria. O placar da decisão do 1º Grupo Criminal terminou em 4 a 4, o que acabou beneficiando os réus. O dolo eventual (quando se assume o risco) foi afastado. O MP-RS anunciou que iria recorrer ao TJ-RS, o que de fato ocorreu em 8 de janeiro de 2018. Nos embargos, o MP afirma que, "por disposição constitucional expressa", se houver "qualquer indício que aponte no sentido da possibilidade de existência do dolo, deve o acusado ser submetido a julgamento pelo júri". Alega também que os desembargadores desconsideraram dispositivos da Constituição pelos quais, na atual fase do processo (pronúncia dos réus), vigora o princípio do "in dubio pro societate" ("dúvida em prol da sociedade") para os casos de empate em decisões colegiadas.