A troca de comando na Procuradoria-Geral da República (PGR), em setembro de 2017, atrasou a estratégia dos pais das vítimas da boate Kiss de retirar da Justiça gaúcha a competência para julgar o caso. Com a saída de Rodrigo Janot e a posse de Raquel Dodge, a equipe encarregada de analisar o chamado Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), termo técnico para federalização do processo, também foi trocada.
Em maio de 2016, após reunião entre Janot e membros da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), foi destacado para o caso o procurador federal Ubiratan Cazetta, do Pará, especialista no tratamento de equívocos dos ministérios públicos estaduais. A pedido dos pais, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou, em agosto daquele ano, o IDC. O instrumento remete à Justiça Federal casos de grave violação de direitos humanos ou de incapacidade das autoridades locais para tratar do assunto. Só pode ser solicitado pelo procurador-geral da República.
No ano passado, Cazetta teria relatado que o MP gaúcho estaria dificultando a entrega de dados, colocando "muitos questionamentos dos motivos e porquês". O MP nega.
Com a mudança no comando da PGR, foi destacado o procurador André de Carvalho Ramos, de São Paulo. Quatro meses após a posse da nova equipe, os pais não conseguiram marcar uma reunião com o grupo.
— A equipe anterior deixou claro à nova que o assunto tem de ser tratado com a importância que merece — afirma Paulo Tadeu Nunes de Carvalho, pai de Rafael, morto na Kiss.
Em novembro de 2017, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara enviou um ofício de cobrança à PGR. Diretor jurídico da AVTSM, Carvalho reitera que o MP gaúcho não teria competência para cuidar do caso. Um dos argumentos é o fato de que promotores de Justiça de Santa Maria chegaram a processar quatro pais, inclusive Carvalho, por calúnia e difamação. Ele também afirma que os promotores isentaram todas as autoridades.
— Morreram 242 jovens em um local que foi denunciado antes por estar com graves irregularidades. E os promotores do Rio Grande do Sul arquivam processos de agentes públicos que tinham conhecimento? — questiona o representante da AVTSM.
A PGR informou que o MPF solicitou informações ao TJ-RS, à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado e à prefeitura de Santa Maria. Os documentos encaminhados por esses órgãos estão sendo analisados.
De cinco pedidos feitos pela PGR para a retirada de processos da alçada de Justiças estaduais, apenas um foi acolhido plenamente e dois parcialmente pelo STJ. Embora previsto na Constituição, o IDC é de difícil acolhimento. O único caso aceito plenamente até agora foi o do assassinato do promotor Thiago Faria Soares, de Itaíba (PE). Ele foi morto em razão de uma disputa de terra.