
A defesa de Elissandro Spohr, um dos ex-sócios da boate Kiss e réu no processo criminal pelo incêndio em Santa Maria, contratou o advogado porto-alegrense Alexandre Wunderlich para tentar evitar que o Ministério Público (MP-RS) reverta a decisão do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) sobre julgamento dos acusados. Professor licenciado da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Wunderlich é um dos maiores especialistas brasileiros em dolo eventual e atuou no grupo de advogados que trabalhou na defesa de executivos da Odebrecht nas audiências da Lava-Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre.
Em dezembro, o 1º Grupo Criminal do TJ-RS acatou o recurso da defesa dos quatro acusados pela tragédia da Kiss e afastou o julgamento pelo júri. Com a decisão, o dolo eventual (quando se assume o risco de matar) foi afastado e o processo voltará para ser julgado por outro crime, que não seja com dolo, podendo ser homicídio culposo e incêndio. A decisão tem influência direta no desfecho do processo. Em caso de condenação, a pena será menor. Além de Spohr (o Kiko), são réus o outro ex-sócio da Kiss, Mauro Hoffmann, e os músicos Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos
O MP-RS apresentará recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dentro de dois meses, insistindo na tese de dolo eventual. Wunderlich não assumirá a representação de Spohr, que continua com o advogado Jader Marques, mas fará um parecer técnico, que será usado pela defesa para tentar evitar que a Corte, em Brasília, reveja a decisão dos desembargadores.
— A consulta é no sentido da impossibilidade da reversão da decisão do TJ-RS no STJ, conforme a própria súmula 7 da Corte, que veda a admissibilidade do recurso especial quando a matéria exigir reexame da prova dos autos. Tenho convicção, apoiado em trabalhos doutrinários e decisões jurisprudências, de que não há outra leitura da prova dos autos além da realizada pelo TJ-RS — afirma Wunderlich.
O advogado Jader Marques destaca a experiência de Wunderlich, autor de uma das primeiras dissertações de mestrado do país sobre dolo eventual.
— Ele tem uma ampla trajetória. Primeiro, defende que não há dolo no caso. Segundo, é que essa questão, se há ou não há (dolo), não pode ser levado ao STJ — diz.
Caso o STJ mantenha a decisão do Tribunal de Justiça, o processo da Kiss será julgado pelo juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria e não pelo Tribunal do Júri. O júri somente é admitido em casos de homicídio por dolo ou dolo eventual. Neste caso, a pena varia de seis a 20 anos de prisão, podendo ficar entre 12 e 30 anos em caso de crime qualificado. Como essa hipótese foi afastada pelo TJ-RS e o caso acabou declinando para a Justiça de Santa Maria, o dolo deixa de existir. Na hipótese de os réus serem julgados por homicídio culposo, a punição é menor: detenção de um a três anos de prisão, sem qualificantes.
Na quinta-feira, o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Ricardo Breier, assumiu a representação das famílias de vítimas do incêndio. Breier reforça a acusação no recurso especial que será apresentado pelo MP-RS ao STJ. No próximo sábado, a tragédia da Kiss, na qual morreram 242 pessoas, completa cinco anos. Ninguém foi punido criminalmente até agora.