A construção de nova travessia no noroeste do Estado carrega expectativa de desenvolvimento para mais de 750 mil gaúchos — os 7% da população que vivem nas regiões Noroeste e Missões. Mesmo sem projeto e competindo com outras grandes obras em andamento e também da área da saúde e da educação, a ponte internacional para ligar as cidades de Porto Xavier, no Brasil, e San Javier, na Argentina, venceu a disputa por metade das emendas impositivas da bancada gaúcha de 2018.
Embora uma nova travessia sobre o Rio Uruguai seja reivindicada há décadas pela região, uma mobilização política inédita, com apoio de autoridades argentinas, conseguiu abocanhar R$ 81 milhões — mesma quantia que vai ser aplicada na obra de duplicação da BR-116.
Professor da Unijuí, Pedro Luís Büttenbender, doutor em Administração e com trabalhos focados no desenvolvimento regional do Noroeste, ressalta que a ponte internacional foi considerada investimento prioritário por quatro dos 28 conselhos regionais de desenvolvimento (Coredes). Destaca que a obra é importante para ajudar a alavancar a economia local, principalmente por facilitar a travessia de cargas e pessoas, criando um corredor de exportação e importação no Mercosul, com ganhos logísticos e de competitividade.
— É a região que mais depende de investimentos públicos e capacidade de atração, pois o processo de desaceleração econômica terá impactos progressivos para outras regiões, causando problemas sociais e de segurança — afirma, lembrando que o último grande investimento logístico no Noroeste foi a reforma do aeroporto de Santo Ângelo, finalizada em 2016.
Em termos de novas obras, não há nenhuma há mais de 20 anos, acrescenta o professor. Ele ressalva, contudo, que a ponte isoladamente não vai resolver os problemas estruturais e econômicos da região, que precisa ser articulada com projetos de empreendedorismo, inovação e oportunidades de renda. Para ele, o desenvolvimento local respinga em outros lugares:
— O investimento lá contribui para que o Estado se reposicione geopoliticamente. Podemos ser os brasileiros mais extremos ou os brasileiros que conectam o Brasil com os países vizinhos do Mercosul.
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Sem detalhes da obra
Vice-coordenador do Fórum de Infraestrutura e Logística da Agenda 2020, Paulo Menzel concorda com os benefícios regionais e até estaduais da ponte. Mas é taxativo em dizer que não é uma obra prioritária para o Rio Grande do Sul:
— Obra prioritária é aquela que ajuda a estancar o aumento de custo logístico e faz com que ele diminua depois, levando o Estado como um todo a retomar competitividade. E, recuperando competitividade, retomar a produtividade. Essa ponte não faz isso.
Os mesmos parlamentares e líderes que mobilizaram dezenas de pessoas, com viagens a Brasília, cartazes e alvoroço virtual, apostam que, até que os R$ 81 milhões da bancada sejam liberados (a previsão é começo do segundo semestre de 2018), os trâmites burocráticos estarão prontos.
Isso envolve um anteprojeto, que já está sendo providenciado no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), garante o prefeito de Porto Xavier e presidente da Comissão Binacional Pró-Ponte, Vilmar Kaiser (PP). Depois, a obra terá de ser licitada, possivelmente por meio do regime diferenciado de contratações públicas, modalidade de construção mais ágil, quando a elaboração do projeto executivo e a construção são feitas simultaneamente.
Até agora, existe apenas um estudo de viabilidade licitado em 2009 com base no acordo entre os dois países firmado em 2000 e que previa a construção de travessias. Executada por um consórcio binacional, a análise econômica, técnica e ambiental ficou pronta em 2015, mas ainda não foi divulgada integralmente pelo Dnit, que foi diversas vezes pressionado por políticos, entidades e universidades. A assessoria de imprensa do órgão em Brasília não respondeu aos e-mails de GaúchaZH, nem atendeu às ligações.
Em relatório resumido entregue a autoridades, o Dnit informou que, dentre os três municípios candidatos a receber uma ponte de ligação com a Argentina, a obra em Porto Xavier seria a de menor inviabilidade frente a Itaqui e Porto Mauá, por ter menor custo.
Segundo o estudo, a ponte custaria US$ 147,9 milhões (em torno de R$ 480 milhões, conforme a cotação atual), sem contabilizar investimentos nos acessos e entorno que terão de ser feitos. As autoridades locais consideram equivocado o cálculo. Reconhecido na região por ter lutado pela ponte em diversas gestões municipais há mais de 40 anos, Ovídio Kaiser, atual secretário de Desenvolvimento, Turismo e Mercosul de Porto Xavier, estima que a obra demandaria, no máximo, R$ 200 milhões. Ele se baseia em estudos anteriores de universidades e do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), além da opinião de consultores.
Com custo total estimado em até R$ 480 milhões, obra ainda não tem localização definida. Entre os motivos para a escolha de Porto Xavier, Dnit cita fluxo de veículos e infraestrutura local. Leia mais
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Modelo e ajuda argentina
Ovídio Kaiser avalia que foi fundamental ter desenvolvido, com o artista plástico Betto Almeida, um desenho da obra. O conceito de ponte-monumento, com ideia de que a travessia conte a história jesuítica-guarani, gerou identificação nas Missões, sustenta.
— No primeiro dia que mostramos os desenhos da ponte, as pessoas aplaudiram de pé. Assim fomos conquistando população e prefeitos (que estavam divididos pela cidade que sediaria a ponte). Foi algo inédito, porque partimos do espiritual, aí pegou força. Esse foi nosso êxito — afirma Kaiser.
Outro fator determinante foi a conquista da Argentina, no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de US$ 100 milhões para a implementação da Rota Jesuítica Internacional da América do Sul, que inclui Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Do total, US$ 11 milhões estão destinados à ponte San Javier-Porto Xavier. O governo brasileiro, já habilitado pelo BID, deve receber igual quantia para os investimentos no trajeto internacional no país.
Com o montante mais as emendas impositivas, a obra teria pouco mais de R$ 150 milhões à disposição. No entanto, caso a ponte não saia do papel no ano que vem, poderá perder a quantia destinada pelos deputados gaúchos, que seria remanejada para outras obras federais.