Com alguns minutos de atraso, pouco depois das 18h do último domingo (1º), o Circo da Rússia iniciava seu terceiro espetáculo do dia. Instalado no terreno ao lado do Beira-Rio, na zona sul de Porto Alegre, há três semanas, o picadeiro paulista com mais de meia década de história recebia um público de pouco mais de 70 pessoas — sobretudo crianças, acompanhadas dos pais.
A apresentação seguiu o cronograma usual, como nas dezenas de sessões realizadas no mesmo endereço nos últimos dias. Um artista vestido de Homem Aranha abriu o show, rodando o picadeiro pendurado em uma faixa. Em seguida, duas dançarinas protagonizaram um quadro de bambolê e uma dupla de palhaços — o ponto alto da tarde — arrancou risadas ao encenar suas trapalhadas.
Às 18h30min, surgia um trapezista diante do público. Montado em uma bicicleta, equilibrava-se pedalando sobre um fio de arame, dependurado por um cabo de segurança conhecido no mundo circense como lonja. Neste momento, o temporal que se avizinhava da cidade apareceu na forma de ventos arrebatadores. De supetão, levou a estrutura abaixo, e o circo, pela primeira vez, parou.
Aconteceu assim: as rajadas de mais de 100 km/h, vindas da direção do Guaíba, estufaram a lona que cobria o espetáculo, fazendo a estrutura balançar. As faixas de sustentação apertadas ao chão cederam, afrouxando as espias interligadas às quatro torres de 16 metros de altura que escoram o circo. Tudo foi ao chão, soterrando sob o picadeiro parte das pessoas que ainda não haviam conseguido escapar.
Meu filho disse: "Pai, a gente vai morrer"
Tadeu Maia
aposentado
— Ouvimos um barulho muito forte, como se fosse uma trovoada, e saímos correndo. Meu filho disse: "Pai, a gente vai morrer" — relata o aposentado Tadeu Maia, 56 anos, que foi ao espetáculo acompanhado do filho de 14 anos e de um sobrinho de oito.
Trapezista e administrador do circo, Leandro Maffezzolli, 27 anos, estava em seu trailer finalizando a maquiagem. Em menos de 10 minutos, teria de estar atrás da coxia para apresentar seu número, mas acabou se deslocando para auxiliar no resgate do público.
— Aconteceu muito de repente, não foi algo que conseguimos perceber anteriormente — disse Leandro.
A Polícia Civil não divulgou balanço de feridos no acidente, pois as pessoas que sofreram ferimentos leves foram a hospitais ou postos de saúde por conta própria. Porém, nas redes sociais, há relatos de pessoas que tiveram de levar pontos e fraturaram vértebras. Proprietário do circo, Tamiel Ferrari, 27 anos, sentiu-se mal com o incidente e foi levado para atendimento médico. Nascido no picadeiro, herdou o tradicional espetáculo da família e garante que nunca havia passado por experiência igual.
Viemos aqui para trazer alegria. Ninguém imaginou que terminaria em tragédia
Luiz Carlos
motorista do Circo da Rússia
Um dos montadores do espetáculo, Márcio Nunes, 37 anos, auxiliou o público a evacuar o local. Agora, acredita que serão necessárias ao menos duas semanas para recolher o material e levá-lo para o conserto em São Paulo.
— Daqui a pouco, estaremos do outro lado do Brasil de novo — torce Márcio.
No dia seguinte ao desabamento, a equipe circense permanecia incrédula e assustada com o episódio - o mais grave presenciado em picadeiro. Motorista do espetáculo, Luiz Carlos, 53 anos, resumiu a fatalidade:
— Viemos aqui para trazer alegria. Ninguém imaginou que terminaria em tragédia.
Encontro inesperado com o ídolo
Em meio ao pânico generalizado, também houve espaço para uma surpresa. O estudante Alessandro Grabinski, 17 anos, assista a uma apresentação com a namorada, Larissa dos Santos, 15 anos, quando rapidamente viu parte da estrutura despencar. Conseguiu pegar a jovem pela mão e se dirigir até a saída, onde buscou abrigo em um banheiro químico da área externa.
Um homem e uma criança saíam da cabine, mas Alessandro alertou que os quatro deveriam permanecer ali dentro. Após a passagem do temporal, o homem guiou Alessandro e Larissa até o estacionamento do circo, onde ofereceu abrigo para o casal em seu carro. Quando entrou no veículo, Alessandro percebeu quem o ajudava – era seu ídolo, o atacante Leandro Damião.
— No começo fiquei assustado com a situação, mas, depois, acabei feliz por tê-lo visto — resumiu o estudante, mais calmo, nesta segunda-feira (2).