Além das icônicas participações em dois shows do cantor espanhol Julio Iglesias, que nesta quinta-feira lamentou a morte do cronista, Paulo Sant'Ana colecionava passagens marcantes pelo circuito musical. Não era exatamente uma estrela da música, mas um amigo das estrelas. Era comum que grandes figuras da MPB o encontrassem em suas passagens por Porto Alegre para um carinho e, claro, uma canja. Entre elas, estava Alcione, que lamenta a perda do jornalista:
– Estou até sem jeito, sem graça para falar disso, mas me tocou muito a passagem de Paulo Sant'Ana, meu amigo, que sempre cantou comigo. Uma pessoa alegre, verdadeira, um grande homem do rádio, um grande gaúcho. Paulo Sant'Ana: nós todos estamos com saudade e comovidos aqui na minha produção. Que Deus te abençoe. O Rio Grande do Sul perdeu uma pessoa de Deus e um grande profissional. Beijo aqui da sua Marrom, Alcione.
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Havia, entretanto, uma dimensão na qual Sant'Ana era uma singular espécie de superestrela: a boemia. Eram famosas suas canjas em bares e restaurantes como Chão de Estrelas, Gente da Noite e Vinha D'Alho. Na inauguração do hoje extinto Se Acaso Você Chegasse, em 2000, cantou ao lado de Jamelão, o grande intérprete de Lupicínio Rodrigues – o bar era uma homenagem de Lupicínio Rodrigues Filho a seu pai.
Lupinho, por sinal, considera Sant'Ana um dos grandes "lupicinianos", como se refere aos divulgadores da obra do mestre do samba-canção, assim como Jamelão e Elza Soares. Para o herdeiro, é impossível saber o que veio antes: a paixão do cronista pela música de Lupicínio ou pelo Grêmio, cujo hino compôs. Lupinho recorda:
– Sant'Ana chegava cantando, e o pai ficava ouvindo, pois não era de muitas palavras. Mas agradecia: "O velhinho se sente muito honrado com sua presença, meu camaradinha".
Não era para menos que o cronista se gabava de saber 3 mil letras de música e 800 poemas de cor. Um de seus exercício preferidos era declamar o início de uma letra e desafiar o interlocutor a completá-la. Nas rondas pela noite porto-alegrense, o fiel escudeiro era o violonista e lenda da boemia local Darcy Alves, morto em 2015. Comunicador do Grupo RBS que conviveu de perto com Sant'Ana, Claudio Brito lembra que o Professor Darcy, seu apelido carinhoso, era o grande amigo:
– Sant'Ana tinha adoração porque Darcy Alves o entendia muito bem musicalmente. Afinal, ele interpretava as canções de seu próprio jeito do ponto de vista melódico e rítmico.
No samba, sai o azul e entra o vermelho
O homem que idolatrava o samba mereceu, em troca, uma homenagem. Em 1993, a Acadêmicos da Orgia dedicaram-lhe o samba-enredo O Menestrel da Cultura Popular - Francisco Paulo Sant'Ana. Mas sua escola do coração, como relata Brito, era a Imperadores do Samba. Isso mesmo: o gremista incorrigível sambava de vermelho e branco, as mesmas cores dos rivais colorados. Mais do que isso, sua viúva, Inajara, é filha de Nelson Silva, compositor do hino do Inter.
Quando Sant'Ana era solicitado a gravar um disco ou escrever um romance, dizia que não tinha "nenhuma aptidão", como relatou em entrevista a Zero Hora, em 2005. Mas tinha uma inegável verve criativa. Na madrugada do dia 15 de julho de 2015, ligou para a Rádio Gaúcha e pediu para o operador Vladimir Santos, o Lobão, gravar uma composição sua, pois estava inspirado e não tinha como registrá-la em casa. O resultado saiu a capela:
"Vem, meu violão/ Respeita esta canção/ Brotam letras de amor/ Deste meu peito/ E notas musicais no coração".