Entra ano, sai ano, o boato volta a circular na internet e nos aplicativos de troca de mensagens: um pedido de ajuda para localizar um carro roubado com uma menina de dois meses no seu interior. Repassado via WhatsApp, o texto diz que um Uno 2006 prata foi levado por ladrões – a localização varia conforme a versão enviada. Com erros de português e atropelando a pontuação, o autor anônimo informa a placa do veículo, um número de celular sem prefixo (cujas ligações não completam) e adverte: "O dono esta louco pois levaram o carro com a bebe dele dentro dele. Repasse rápido, por favor é sério".
O alerta vem causando alvoroço em diferentes períodos e cidades. Em 2014, por exemplo, a história chegou até o serviço de inteligência da Polícia Militar e à Delegacia de Roubos de Florianópolis, que classificaram o caso como "trote". No mesmo ano, o Comando Regional de Policiamento Ostensivo da Serra, no Rio Grande do Sul, também disparou alertas advertindo para a mentira. O órgão chegou a receber telefonemas de pessoas preocupadas.
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Até hoje, a origem da história não é confirmada, mas o chefe da Polícia Civil do Estado, Emerson Wendt, garante que não deve ser levada a sério:
– Essas notícias são constantes e repetitivas. Antes era por e-mail, em correntes. Agora é por WhatsApp, Telegram e outros aplicativos de mensagens.
Conforme Wendt, esse tipo de ocorrência – roubo com criança no carro – é incomum no Estado:
– Tivemos pouquíssimos casos relatados em que houve roubo e o bebê teria ficado dentro.
Especializado em crimes virtuais, Wendt diz que o melhor a fazer "é pensar duas vezes" antes de repassar adiante quando algo do tipo aparecer no celular:
– As pessoas devem ter todo o cuidado na questão da propagação dessas notícias antes de conferir.
O ideal é colocar o conteúdo em um site de busca e, geralmente, já se tem o retorno se é falsa ou não, e não ficar propagando e alarmando as pessoas.
Coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria, Eduardo Pazinato aponta pelo menos dois efeitos problemáticos decorrentes desse tipo de rumor. O primeiro é a disseminação do sentimento de medo. O segundo, o eventual desperdício de recursos do Estado em torno de algo que, no fim, se revela uma inverdade.
– As pessoas já andam apavoradas. Disseminar pânico só vai contribuir para gerar mais insegurança. Ao mesmo tempo, as forças policiais têm recursos parcos e já são alvo de muitos trotes. É por isso que, antes de compartilhar, é preciso ter certeza de que não é embuste – diz Pazinato.
O desavisado, o ansioso e a informação
O que faz com que, mesmo desconfiando de uma informação, alguém compartilhe o conteúdo sem se preocupar com a veracidade do fato? Os coordenadores do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Fábio Malini e Fabio Goveia, têm algumas hipóteses.
A propagação dos boatos, na avaliação de Malini, só se perpetua com a ação de dois perfis de pessoas que define como "o ansioso" e "o desavisado". O primeiro, sempre conectado, é ávido por fazer circular mensagens para ganhar relevância na rede – e mostrar aos amigos que "está por dentro". O segundo é aquele que espia o WhatsApp apenas de forma esporádica e só acessa as redes sociais quando dá tempo. Ao deparar com uma mensagem como a do carro roubado com o bebê, não questiona a autenticidade e, genuinamente preocupado, repassa aos conhecidos na tentativa de ajudar.
– A ação desses dois perfis é fundamental para que a notícia falsa se espalhe. O potencial de repercussão aumenta quando quem envia a mensagem é uma figura respeitada no grupo, independentemente de que área for. Aqui, sempre que chove, alguém manda o texto de um suposto instituto de meteorologia alertando para um temporal às 23h. Está na cara que é fake (falso), mas até jornalistas já caíram nessa – diz Malini.
Para Goveia, "saber alguma coisa e compartilhar com os seus é da índole do ser humano" – e nem sempre há má intenção por trás da ação. A diferença é que as novas ferramentas tecnológicas à disposição da população potencializaram essa característica.
– Quem antes era apenas leitor, espectador ou ouvinte, passou a ser produtor de informação, o que não acontecia antes. Na prática, estamos vivendo um novo momento da comunicação e ainda estamos aprendendo a lidar com isso. Aos poucos, vamos reaprender a ler informações e criar novos padrões de credibilidade – conclui Goveia.
Como confirmar um fato
- Sempre que o texto for "espetaculoso", dramático demais, soar inverossímil, conter erros de português e não tiver autoria clara, desconfie e não compartilhe na mesma hora.
- Com educação, pergunte para quem enviou a mensagem qual é a fonte. Se ela disser que não sabe, que apenas recebeu em outro grupo, desconfie ainda mais.
- Faça, então, uma rápida busca no Google, com palavras-chave. No caso descrito nesta página, bastaria pesquisar os seguintes termos: carro roubado, bebê, mensagem. Em geral, é o suficiente para detectar fake news (notícias falsas).
- Caso a incerteza persista, dê uma olhada em sites e perfis oficiais da polícia e de veículos de imprensa confiáveis. Se não houver nenhuma menção a essa notícia, será mais um indício de que não passa de boato.
- Outra opção, quando há citação a placas de veículos, é consultar o Sinesp Cidadão (sinesp.gov.br/sinesp-cidadao), mas nem sempre isso ajuda. Na mensagem do carro com o bebê, o veículo realmente aparece como roubado no sistema.
- Em caso de dúvida, entre em contato com autoridades (ligando para o 190, da Brigada, por exemplo) e comunique o fato. Se realmente houver um caso grave como o sequestro de um bebê em andamento na cidade, o policial poderá confirmar.
Você leu uma informação e ficou em dúvida se é verdade ou mentira? Envie sua sugestão, por WhatsApp, para a seção Notícia Falsa na Rede: (51) 99667-4125.