Em razão da crise financeira, 60% das 245 Santas Casas e hospitais filantrópicos do Rio Grande do Sul admitem problemas para pagar a folha de dezembro dos seus funcionários, com vencimento previsto para esta sexta-feira. Os administradores reclamam de atrasos nos repasses do governo do Estado no valor de R$ 180 milhões.
A conclusão é de uma pesquisa realizada pela Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Estado – estabelecimentos que atendem mais de 70% do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio Grande do Sul e empregam 60 mil trabalhadores. Conforme o levantamento, 39% desses locais estão com os repasses de férias pendentes, 27% ainda não conseguiram quitar o 13º de seus quadros e 42% estão com salários de outros meses pendurados. Muitos dos que bancaram o 13º tiveram de fazer empréstimos bancários.
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– O quadro é alarmante. Já viemos de um ano com calendário absolutamente irregular de pagamentos, que se agravou em dezembro, porque o governo federal demorou a depositar os valores dos atendimentos de média e alta complexidade. Reconhecemos as dificuldades do Estado, mas há um limite de tolerância. Quando os salários começam a atrasar, é porque a situação chegou ao fundo do poço. Precisarmos receber – adverte o presidente da entidade, André Emílio Lagemann.
Diretor do Hospital Ouro Branco, em Teutônia, no Vale do Taquari, Lagemann admite que não terá condições de honrar as remunerações dos colaboradores nesta semana. Ao todo, as dívidas da instituição chegam a R$ 1,2 milhão. Lá, por enquanto, os funcionários não chegaram paralisar as atividades, mas em outros lugares, como o Hospital São Carlos, de Farroupilha, na Serra, isso já é realidade.
Desde a virada do ano, em protesto contra a demora na quitação integral do 13º, técnicos de enfermagem, higienizadores, cozinheiros e auxiliares, entre outros profissionais, cruzaram os braços no São Carlos. Conforme o presidente do SindiSaúde de Caxias do Sul, Danilo Teixeira, eles só receberam parte do benefício natalino.
– Os funcionários chegaram ao limite. Não vão voltar a trabalhar enquanto não receberem o que têm direito – afirma Teixeira.
Contraponto
Procurada por ZH, a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que aguarda a conclusão do pagamento integral da folha dos servidores públicos estaduais para programar repasses para os hospitais.
Entrevista: Geovane Cravo, diretor da Santa Casa de Uruguaiana
"O impacto para a comunidade é gigantesco"
À frente da Santa Casa de Uruguaiana há cinco anos, o diretor Geovane Cravo, 43 anos, luta contra a falta de recursos e a frustração. Com 240 leitos, o estabelecimento contempla pacientes de 43 municípios, onde vivem mais de 2 milhões de habitantes, com atendimento de 96% via SUS. Confira a entrevista concedida ontem, por telefone:
Como está a situação na Santa Casa de Uruguaiana?
Gravíssima. Estamos com parte dos funcionários em greve há 30 dias. Ainda não fiz o pagamento da folha de novembro nem do 13º e não sei como vou pagar a folha de dezembro. É assustador.
Qual é o impacto para a comunidade?
O impacto para a comunidade é gigantesco. É o retrato da desassistência. Fazemos o possível para não penalizar a população, mas a redução no volume de atendimentos não eletivos é gritante.
O nível de dependência dos recursos do Estado é muito grande?
Sim. Hoje, 86% das nossas finanças dependem do Estado. A solução para o problema será reduzir o atendimento do SUS para 60% ou 70%, infelizmente.
Qual é o valor em atraso?
Temos pelo menos R$ 3,5 milhões por receber do Estado. Para nós, é muito. O pior é que recentemente foram depositados R$ 5 mil, referentes a um serviço prestado em 2014. Virou um deboche.
O senhor se sente frustrado como gestor?
É uma frustração muito grande. O mais desgastante é ver os colegas passando necessidades básicas. Muitos não têm comida para colocar em casa, para alimentar os filhos.