
Até a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff no plenário da Câmara, fica aberta a temporada de negociações em Brasília. Cargos, emendas e viagens são oferecidos por governistas a deputados, na tentativa de barrar o processo, enquanto emissários do vice-presidente Michel Temer, reforçados pela oposição, sinalizam espaço em uma eventual gestão do PMDB.
O clima é de feirão, com suspeitas, boatos e acusações de promessa de dinheiro. Dono da caneta, o Planalto faz negociações individuais, a fim evitar que a oposição conquiste os votos de 342 dos 513 deputados, passaporte para o processo chegar ao Senado.
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O alvo preferencial é o "centrão" (PP, PR, PSD, PTB e PRB), que soma 164 parlamentares. Com a votação, aguardada para domingo, 17, os partidos não assumem ministérios, mas são alimentados com cargos de segundo e terceiro escalões. Desde o anúncio de desembarque do PMDB, Temer perdeu afilhados na Funasa e na Caixa. Ao frear a saída da base, o PP ganhou o Dnocs. Ministro do Gabinete de Dilma, Jaques Wagner justificou:
– O PMDB abriu mão da participação. Se abriu mão, sai de ministérios. É assim na política de coalizão.
A estratégia gerou o protesto do ex-ministro Moreira Franco, escudeiro de Temer. No Twitter, ele afirmou que o governo repete a prática do mensalão. "Deputados e senadores estão indo ao hotel falar com Lula e dividir o botim (sic)", escreveu.
Um deputado do PR revela ter recebido ligação do ministro Ricardo Berzoini:
– Pensou em ser ministro? Tem espaço no governo.
A proposta ficou na gaveta. No PR, que comanda o Ministério dos Transportes e cobiça a Agricultura, a tendência é de maioria contra o impeachment, conforme acerto com o mensaleiro Valdemar Costa Neto (SP).
As ofertas também ocorrem no plenário, cafés e corredores da Câmara. As conversas se iniciam com gracejos, que deixam dúvida se a tratativa é séria ou bravata. Foi o caso de Covatti Filho (PP-RS), procurado por um colega, que chegou aos risos.
– Covattinho, dizem que cê tá indeciso. Fala lá com Lula que acaba a dúvida.
– Vou de impeachment. Se votar contra, meu eleitor me exila no Uruguai – riu o gaúcho.
Nem tudo é piada. Enquanto apresentava o Salão Verde a dois vereadores, José Stédile (PSB-RS), que defende a saída de Dilma, foi abordado por um petista interessado na sua ausência na votação, benéfica ao governo:
– Stédile, você não vai viajar ? É só dizer o lugar.
O socialista pediu para não ser mais procurado.
– Não mudo meu voto – garante.
O cerco também teria chegado a Heitor Schuch (PSB-RS). Ele não quis comentar, apenas garantiu voto a favor do afastamento. As insinuações contrariam petistas, a exemplo de Dionilso Marcon (PT-RS), apontado como emissário do Planalto por integrantes da bancada ruralista.
– Não tenho dinheiro nem para mim, como vou oferecer alguma coisa a alguém. Não faz sentido – diz Marcon.
Algumas aproximações tentam reconquistar aliados. Secretário no governo Tarso Genro, Luiz Carlos Busato (PTB-RS) apoia o impeachment. A posição lhe custou o cargo de Paulo Ricardo Nunes Osório no Inmetro-RS.
– O governo me procurou, eu disse que não mudaria meu voto e fui avisado que meus indicados seriam demitidos – reconhece Busato.
Herdeiro da Presidência, PMDB negocia vagas nos bastidores
Beneficiário do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o grupo do PMDB controlado pelo vice Michel Temer discute cargos nos bastidores com a oposição e partidos que também negociam com o Palácio do Planalto.
As tratativas, negadas por aliados de Temer, se intensificaram após o anúncio do desembarque do PMDB do governo, que ainda não se efetivou. Legendas do "centrão", decisivas na votação do afastamento, não gostaram da intenção do vice de montar um "ministério de notáveis". Para PP, PSD, PR, PTB e PRB, o formato deixaria as siglas sem os cargos desejados ou ofertados pelo PT. O PMDB cogita rever o plano.
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Para atrair apoio, Temer e seus escudeiros procuraram lideranças dos partidos. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, patriarca do PSD, e o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, conversaram com o vice, que sinalizou espaço na Esplanada. O PP, por exemplo, tem interesse em reassumir a pasta das Cidades, que está com o PSD, de olho em Minas e Energia.
Licenciado da presidência do PMDB, assumida pelo senador Romero Jucá (RR), Temer fala com políticos, empresários e juristas, inclusive ministros de tribunais superiores. Escudeiro do vice, Moreira Franco auxilia nas negociações e busca apoio entre empresários. Outro nome da confiança de Temer, Eliseu Padilha atualiza mapas das bancadas para identificar indecisos ou quem pode mudar o voto, a fim de facilitar a aprovação do impeachment.
Hábil em costurar acordos, Jucá tornou-se articulador da eventual gestão do PMDB. Aos interlocutores, sinaliza que um governo Temer deve durar dois anos e meio e que pode turbinar candidaturas municipais. O parlamentar é considerado decisivo caso o processo chegue ao Senado, em especial para convencer o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), a romper com Dilma.
Planalto diz que oferta de cargos é essencial para garantir adesões
Nas avaliações de petistas, a negociação de cargos foi fundamental para segurar parte de PP, PR e PSD na base. A nomeação de indicados por aliados e as exonerações dos infiéis, muitos do PMDB, prosseguem até a votação do impeachment. Os ministérios só serão entregues caso o processo seja barrado.
– A oposição não terá 342 votos no plenário da Câmara para tentar tirar na mão grande o mandato da presidente Dilma – sustenta Henrique Fontana (PT-RS).
Os mapas do Planalto indicam que, entre votos e ausências, o governo somará 200 parlamentares contra 313 da oposição. O comitê pró-impeachment discorda.
– A meta é ter 365 para garantir gordura. Estamos bem perto – diz Darcício Perondi (PMDB-RS).
A oferta de cargos deve garantir maioria ao governo dos 13 deputados do PTN, que levou a Funasa. Com 47 parlamentares em exercício, o PP brecou a saída da base depois de receber a diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Banco do Nordeste e Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba estão na mira, além do Ministério da Saúde e da Caixa Econômica Federal. Presidente da sigla, Ciro Nogueira (PI) nega que as nomeações interfiram.
– Nenhum membro do partido nem seu presidente está autorizado a discutir espaço no governo – desconversa.
Ciro oferta ao Planalto 20 votos contra o impeachment. Gilberto Kassab prometeu 15 dos 36 do PSD, enquanto o PR quer entregar 30 dos seus 40. Se o PMDB garantir 25 votos dos atuais 67 deputados, o governo estará satisfeito. Três votos devem vir do Pará, Estado do ministro dos Portos Helder Barbalho, que emplacou uma diretoria na Antaq.
De volta à cena política, Roberto Jefferson articula para o PTB apoiar o impeachment. Confia que terá o voto de, ao menos, 14 dos 19 deputados. A ala pró-Dilma tem três pernambucanos, enquadrados pelo ministro Armando Monteiro, e Nelson Marquezelli (SP), com indicados na Casa da Moeda.
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Quem são os articuladores
O Palácio do Planalto executa uma operação para reconstruir a base e sepultar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. No plenário da Câmara,a meta é evitar que a oposição tenha 342 dos 513 deputados. A estratégia passa por ofertas de cargos e liberação de emendas, acertadas com parlamentares indecisos e negociações com caciques. A oposição, com o grupo de Michel Temer, também acena com espaço em um governo do PMDB e ameaça constranger quem ficar ao lado de Dilma
Governo
Lula - fora da Casa Civil, o ex-presidente responde pelas conversas de "alto escalão". Em Brasília ou São Paulo, Lula negocia com presidentes e líderes dos partidos, inclusive figuras do PMDB, como José Sarney e Renan Calheiros.
Ricardo Berzoini - ministro da Secretaria de Governo, responde pela articulação do Planalto no Congresso. Conversa com líderes da base e petistas. Com mapas das bancadas e dos cargos, partiu para o corpo a corpo.
Jaques Wagner - ministro do Gabinete Pessoal da Presidência, usa seu prestígio e capital eleitoral para segurar ou virar votos na batalha do impeachment. Negocia com parlamentares, em especial do Nordeste.
Giles Azevedo - assessor especial de Dilma, trabalha afinado com Berzoini. Concentra negociações individualizadas com indecisos ou passíveis de mudanças no voto.
PR
Valdemar Costa Neto - condenado no mensalão, o cacique trata da ampliação da cota do partido na Esplanada. O PR já comanda o Ministério dos Transportes e deseja assumir a Agricultura. Também mantém canal de diálogo com Temer.
Alfredo Nascimento - ministro dos Transportes de Lula e Dilma, o deputado se posicionou contrário ao impeachment e atua para garantir, ao menos, os votos de 20 dos 40 deputados do PR.
PSD
Gilberto Kassab - patriarca do partido, o ministro das Cidades sinaliza que pode entregar os votos de 15 dos 36 deputados do PSD em troca de outro ministério, que pode ser Aviação Civil ou Turismo. Também conversa com Temer.
PP
Ciro Nogueira - presidente do partido, o senador do Piauí negocia com o Planalto para assumir o Ministério da Saúde e manter a Integração Nacional. Temer sinalizou a pasta das Cidades. O PP tem 47 deputados, sendo que 25 podem votar pelo impeachment.
PRB
Marcos Pereira - presidente do PRB, controla as negociações com o Planalto e aliados de Temer. O partido deixou a base, perdeu o Ministério do Esporte, mas pode retomar o comando da pasta. A legenda tem 22 deputados.
PTB
Roberto Jefferson - condenado no mensalão, retornou a Brasília e trabalha para que o PTB, com 19 deputados, feche posição a favor do impeachment. No governo, o partido tem o Ministério do Desenvolvimento.
Armando Monteiro - ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o senador garante ao governo ao menos três votos de deputados do PTB de Pernambuco, seu Estado. Também procura parlamentares nordestinos de outras siglas.
PDT
Carlos Lupi - presidente do partido, articula com líderes pedetistas nos Estados para garantir 15 dos 20 votos da sigla na Câmara contra o impeachment. O PDT comanda o Ministério das Comunicações.
PMDB
Temer e Eliseu Padilha - o vice e sua equipe negam a discussão de nomes para um governo. Contudo, líderes de partidos de centro e de oposição, além de empresários, conversam com o grupo de Temer.
Renan Calheiros - o presidente do Senado segue aliado ao Planalto e com sua parcela de cargos na máquina federal. Entrou em atrito com Temer, mas não chegou a romper relações.
Leonardo Picciani - líder do PMDB na Câmara, mantém indicados no governo e negocia para não perder ministérios. Seu pai, Jorge Picciani, líder do partido no Rio, apoia o impeachment e aguarda espaço em uma gestão Temer.
Eduardo Cunha - com trânsito na oposição e controle de parte das bancadas de partidos nanicos, o presidente da Câmara articula pela aprovação do afastamento.
Romero Jucá - presidente em exercício do PMDB, o senador ficou mais próximo de Temer. Articula com oposição e partidos de centro cargos na Esplanada caso Dilma seja afastada.
PSDB
Aécio Neves - presidente do PSDB, o senador conversa com Temer para acertar uma agenda pós-Dilma. Oficialmente, não quer ministérios, porém há tucanos interessados em pastas.
José Serra - o senador mantém boa relação com Temer e mostra disposição de aceitar um ministério em um eventual governo do peemedebista. Serra conversa com empresários sobre o impeachment de Dilma.
DEM
Mendonça Filho - um dos nomes de destaque da oposição na Câmara, participa das negociações contra o governo petista. Oficialmente, afirma que o DEM daria governabilidade para Temer e depois discutiria ministérios em um governo peemedebista.
SD
Paulinho da Força - com seu partido e a Força Sindical, o deputado, aliado de Cunha, trabalha pela queda de Dilma. Para ampliar o SD nos Estados, conta com espaço em uma administração Temer.
Estratégia de negociação é recorrente em Brasília
A distribuição de cargos é uma prática que se acentua em momentos de fragilidade dos governantes, como ocorre com a presidente Dilma Rousseff. A oferta de nomeações e de liberação de emendas promovida pela atual equipe do Planalto é mais um capítulo do toma lá dá cá do presidencialismo de coalizão.
Cunhada pelo cientista político Sérgio Abranches, a expressão retrata a situação do Executivo, que, em busca de governabilidade, costura alianças, muitas vezes sem afinidade ideológica, com partidos que prometem maioria no Congresso.
Nesse cenário, a base se tornou um problema constante para Dilma. Diante das dissidências dos partidos aliados, fracassou a ideia de uma coalizão ampla, que chegou a ter 10 legendas no início do segundo mandato e prometia reunir cerca de 350 deputados.
Ao se reeleger, a presidente promoveu uma reforma ministerial para conquistar mais votos de bancadas, o que não se confirmou. Em seguida, o PMDB ampliou espaço, incluindo Saúde e articulação política, mas o problema seguiu. A reforma administrativa também não resolveu o impasse.
Ex-ministro das Relações Institucionais, o deputado Pepe Vargas (PT-RS) afirma que a dificuldade de construir maioria é fruto do aumento do número de partidos (há 25 na Câmara) e da perda da força dos líderes. Para evitar a distribuição de cargos para siglas divididas ou que traem o governo, Pepe defende uma coalizão menor e mais fiel:
– Uma base com 280 parlamentares é suficiente para aprovar projetos de lei e manter vetos, garante a maioria simples de 257 votos. Complicaria para uma PEC (proposta de emenda à Constituição), mas daria governabilidade.
Fernando Collor
Nas semanas anteriores ao impeachment de Fernando Collor, em 1992, o Planalto tentou lotear o governo. O próprio presidente se envolveu nas negociações. Os cofres foram abertos, com liberação de US$ 60,4 milhões em três meses – 56 vezes mais do que nos cinco meses anteriores. Do outro lado, sob o pretexto de formar um pacto pró-Itamar Franco, partidos como PMDB e PSDB já negociavam ministérios.
Fernando Henrique Cardoso
A aprovação da emenda da reeleição passou pela distribuição de cargos e envolveu o escândalo da compra de votos. Deputados admitiram ter recebido dinheiro pelo apoio. Em 1998, véspera da posse do segundo mandato, FHC, desgastado pela crise econômica, afirmou que demitiria ministros de partidos que não votassem com o governo.
Luiz Inácio Lula da Silva
O mensalão, no primeiro mandato de Lula, era o pagamento de mesadas a parlamentares em troca de apoio nas votações de interesse do governo. Após o escândalo, o presidente teve de ampliar a base, atraindo o PMDB, mediante a distribuição de ministérios e cargos de segundo e terceiro escalões. A popularidade alta de Lula facilitou a governabilidade.