No primeiro interrogatório a que foi submetido pela Polícia Federal, na quinta-feira passada, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) desmentiu a si próprio. É o que mostra seu depoimento, obtido por Zero Hora.
O parlamentar, preso por supostamente tentar obstruir a Operação Lava-Jato, admite que falou para Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras que está condenado por envolvimento em corrupção na estatal, que tinha intercedido junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para libertar o pai dele.
- Temos de centrar fogo no STF. Eu falei com o Teori (Zavascki, ministro relator da Lava-Jato), falei com o Toffoli (Dias Toffoli), pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar (Mendes), o Michel (Temer) conversou com o Gilmar também. E eu vou conversar com o Gilmar também, porque o Gilmar oscila muito, uma hora tá bem, outra tá ruim - diz Delcídio em trecho da conversa gravada que motivou a prisão do senador.
No áudio, Delcídio insinua fazer tráfico de influência junto aos ministros do Supremo. Ao depor na PF, porém, negou ter conversado com os membros da Corte ou sequer pensado em fazer isso. Afirma ter exagerado para "dar palavras de conforto" ao filho que está com o pai preso, como mostra trecho do depoimento:
"...que o declarante (Delcídio Amaral) esteve há cerca de um mês com o ministro Dias Toffoli, a fim de tratar de assuntos institucionais relacionados ao TSE, os quais não guardam qualquer relação com Nestor Cerveró. Que não falou nem esteve com o ministro Teori Zavascki, nem com qualquer outro ministro do STF. Que não solicitou ao ministro Dias Toffoli, nem ao senador Renan Calheiros, tampouco ao Vice-Presidente da República Michel Temer que estabelecessem contato com o ministro do STF Gilmar Mendes para tratar de assuntos relacionados à Nestor Cerveró. Que não nega ter afirmado a Bernardo que providenciaria essa interlocução, mas, de fato, tratou-se de 'palavras de conforto', como já dito. Que o declarante jamais procurou por qualquer ministro do STF, conforme lhe fora solicitado por Bernardo Cerveró, uma vez que tal iniciativa seria infrutífera."
Delcídio negou também ter contatado o ministro do STF Edson Fachin para convencê-lo a anular a colaboração premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras que foi o primeiro delator da Lava-Jato. Na conversa gravada por Bernardo, o senador afirma que está em tratativas para tentar a nulidade dos depoimentos de Costa _ com isso, outros seriam anulados em efeito cascata, comprometendo toda a Lava-Jato.
Costa delatou que Delcídio teria recebido propina, quando era diretor de Óleo e Gás da Petrobras, em 1999. A acusação foi arquivada pelo STF, por falta de provas. "Essa acusação me custou as eleições ao governo de Mato Grosso do Sul", reclamou Delcídio, no depoimento à PF _ o senador foi candidato a governador de seu Estado em 2014.
A conversa gravada na qual Delcídio afirma influenciar ministros do STF foi chamada de "atuação espúria" pelo Ministério Público Federal (MPF), ao justificar a ordem de prisão contra o senador. "Evidencia promessa de liberdade a Cerveró em troca do seu silêncio", acrescenta a ordem de prisão.
No depoimento, Delcídio também disse que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) teria relações de proximidade com o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada (preso na Lava-Jato). Michel nega. O senador petista também afirma que Nestor Cerveró teria sido indicado, com seu aval, pela presidente Dilma Rousseff quando ela era ministra de Minas e Energia. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República respondeu que "a presidente nunca consultou o senador Delcídio do Amaral ou qualquer outra pessoa acerca da nomeação de Nestor Cerveró para diretoria da Petrobras".
Delcídio começou a se negar, sistematicamente, a responder às perguntas da PF logo após ser questionado sobre sua relação com o banqueiro André Esteves _ também preso na quarta-feira passada. O senador admitiu que falou do banqueiro na conversa sobre Cerveró e depois se recusou a dar mais respostas.
Leia trechos do depoimento de Delcídio Amaral à PF:
... que tomou conhecimento dos fatos que levaram Nestor Cerveró à prisão, especialmente os relacionados à compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, salvo engano entre os anos de 2005 e 2006; que o declarante não teve qualquer participação na negociação que redundou na compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, acrescentando que na época era Presidente da CPI dos Correios e, em razão de sua atuação rigorosa na investigação, passou a enfrentar restrições no âmbito do governo federal e, especialmente, no Partido dos Trabalhadores.
... perguntado se tinha ou tem algum interesse na soltura de Nestor Cerveró, afirmou que sim, substancialmente por motivos pessoais em razão de ter trabalhado com ele na Petrobrás, por conhecer a família e presumir o sofrimento a que vinha sendo submetido, ou seja, por questões humanitárias
... perguntado se um acordo de colaboração firmado por Nestor Cerveró lhe representava um temor, afirmou que não, reiterando que apenas mantinha acompanhamento pelas informações divulgadas na imprensa; que procedeu da mesma forma no tocante à colaboração de Paulo Roberto Costa.
... Bernardo pretendia que o declarante, valendo-se de sua posição, buscasse conversar com os Ministros do Supremo Tribunal Federal a respeito de Habeas Corpus que estavam tramitando na Suprema Corte; que, apesar de ter afirmado a Bernardo que já havia estabelecido contato com alguns Ministros do STF , o declarante afirma isso não ocorreu e que se constituiu na verdade, em "palavras de conforto". ... perguntado se a conversa narrada no diálogo, supostamente havida com André Esteves, realmente ocorreu, afirma que sim, e que não responderá a qualquer outra que lhe for feita, reservando-se, a partir de então, no direito ao silêncio.