Pressionado pela confirmação de suas contas na Suíça e sob ameaça de perda do mandato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está disposto a resistir. Aliados e desafetos não acreditam que o peemedebista renuncie nos próximos dias à presidência da Câmara, posto em que detém a caneta capaz de deflagrar o processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Nesta segunda-feira, em entrevista coletiva, o deputado afirmou:
- Esqueçam, não vou renunciar.
Desde a sexta-feira, quando se tornaram públicas as cópias do seu passaporte utilizadas na abertura de contas na Suíça, Cunha mantém conversas com um grupo reservado de amigos e com seus advogados. Parlamentares relatam que o presidente sentiu o baque das revelações, em especial por envolverem a mulher, Cláudia Cruz, e a filha, Danielle.
- Aqueles que desejam a minha saída têm de esperar o fim do mandato para escolher outro - disse Cunha, afirmando que sente-se em condições de continuar na presidência da Câmara. - Tenho legitimidade para executar todos os atos da função para a qual fui eleito.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) indica que Cunha mantinha um patrimônio no Exterior 37 vezes maior do que o declarado à Justiça Eleitoral (R$ 1,6 milhão para R$ 60,1 milhões). O cerco reduziu o apoio que o peemedebista esperava no Conselho de Ética e no plenário da Câmara.
Cunha monitora o conselho, um dos raros espaços da Casa em que já não exerce o controle majoritário. O presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA), não é seu aliado. Para evitar um parecer pela cassação, Cunha aguarda a fidelidade de PMDB, PTB, PSC, SD e PRB, e busca apoio com PP, DEM e PSDB.
- As provas vazadas são muito contundentes. Se elas não forem refutadas, é difícil ele escapar da perda de mandato - acredita Nelson Marchezan Jr (PSDB-RS), integrante do conselho.
Deputados próximos de Cunha admitem o risco de cassação, porém avaliam que uma decisão em plenário só sairá a partir de dezembro. Por isso, Cunha aposta no poder da presidência, que lhe confere prerrogativa de aceitar ou arquivar o novo pedido de afastamento de Dilma feito pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior. A ameaça do impeachment faz o governo dosar seus ataques e obriga a oposição a dar apoio interno ao peemedebista.
Apesar das declarações a favor da renúncia, como a proferida pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), a oposição mantém as conversas com o presidente da Câmara, também cortejado pelo Planalto. Entre governo e bancada do PT há divergências sobre a postura correta. Parte defende a tentativa de um armistício, a fim de preservar Cunha e Dilma, enquanto alguns deputados são mais incisivos na tentativa de cassar o rival.
No Planalto, a estratégia de "guerra fria" é considerada a mais adequada. Gerou preocupação a irritação de Cunha com a declaração de Dilma na Suécia, onde a presidente lamentou que um brasileiro estivesse envolvido em suspeitas de crimes. Nesta segunda-feira, Cunha rebateu e disse que lamentava que "um governo brasileiro" sofresse denúncias de corrupção.
Em reuniões com sua tropa de choque, o presidente da Câmara insiste no discurso de "perseguição" e na tentativa de desqualificar o trabalho do procurador-geral, Rodrigo Janot, acusado por Cunha de ser o autor dos vazamentos da investigação. O deputado ainda discute com seus advogados uma forma de comprovar que os recursos em suas contas não tiveram origem em propinas em cima de contratos da Petrobras, como sustenta a PGR. A defesa indicaria outra fonte do dinheiro.
- O presidente Eduardo mantém a posição de que é inocente. Vamos aguardar a Justiça para não condenarmos ninguém sem direito à defesa - diz o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS).
Cunha ainda trabalha com o risco de enfrentar um pedido de afastamento da PGR no Judiciário, posição que suscita divergências entre juristas.
Apesar do desejo de resistir, Cunha toma a precaução de discutir um sucessor para uma eventual renúncia. O PMDB não cogita perder o controle da Câmara, receio que faz o vice Michel Temer monitorar as conversas. O partido busca um nome neutro, sem os carimbos de Cunha e do governo.
Três possíveis caminhos para Cunha
Aceitar pedido de impeachment de Dilma
Cunha aceitaria o novo pedido de impeachment dos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior, que traz alegações de pedaladas fiscais em 2015, e abre a comissão especial que vai elaborar um parecer sobre a abertura do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. A estratégia mudaria o foco da crise política, centrada em Cunha nas últimas semanas. A comissão deve levar entre três e quatro semanas para concluir o relatório, apreciado em plenário - são necessários 342 votos para abrir o processo e afastar Dilma. O período com pressão sobre o Planalto daria tempo para Cunha organizar sua defesa na Câmara e no STF.
Ficar na presidência da Câmara e defender o mandato
Cunha não se pronunciaria sobre o pedido de impeachment, utilizado para ameaçar o governo e segurar o apoio da oposição. A estratégia permitiria um "acordão" com o Planalto, que preservaria Cunha em troca do engavetamento do impeachment. O peemedebista mobiliza sua tropa no Conselho de Ética em razão da representação do PSOL e da Rede, processo que pode custar mandato do peemedebista. Aliados de Cunha estimam ter entre oito e 12 votos dos 21 titulares do conselho. O grupo de Cunha tentará retardar o processo até o final do ano para que o deputado consolide maioria em plenário - são necessários 257 votos para cassá-lo.
Renunciar à presidência e tentar manter o mandado
Cunha renunciaria à presidência da Câmara para deixar os holofotes. Sua sucessão na Câmara concentraria as atenções dos deputados e da imprensa, enquanto o deputado ganharia tempo para se articular e salvar o mandato no Conselho de Ética e no plenário. Se for cassado, Cunha pode ficar oito anos inelegível. A estratégia é definida por aliados do peemedebista como "uma saída à Renan Calheiros", que em 2007 renunciou à presidência do Senado e teve o mandato preservado após as denúncias de que tinha contas pagas por um lobista e de que era sócio, por meio de laranjas, em negócios de comunicação.