Três homens e uma mulher foram resgatados de condições análogas à escravidão em Bom Jesus, nos Campos de Cima da Serra, na última quarta-feira (8). De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), o grupo trabalhava para uma cooperativa que faz a triagem do lixo do município da Serra. O órgão afirma que a empresa foi contratada em junho do ano passado pela prefeitura.
Segundo a comunicação do órgão, a operação, feita em conjunto com auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), encontrou os trabalhadores, que tem entre 24 e 51 anos e moram na cidade, em um galpão na zona rural de Bom Jesus. O local não teria banheiro, água para lavar mãos ou vestiário. O grupo precisaria fazer as necessidades fisiológicas no mato. Além disso, a estrutura estaria precária.
A empresa é a Cooperbonje (Cooperativa de Trabalho de Bom Jesus). Ela também foi contratada para a coleta de resíduos urbanos no município e o transbordo do lixo. Segundo o MPT, a cooperativa foi notificada para efetuar o pagamento das verbas rescisórias dos quatro trabalhadores, que serão encaminhados para recebimento de três parcelas do benefício do seguro-desemprego.
A assessoria do MPT explica que o caso é autuado como de condições análogas à escravidão porque os resgatados foram encontrados em uma situação degradante de trabalho.
O município foi informado na quarta sobre a operação e sobre a interdição do galpão.
Irregularidades descritas pelo MPT
O órgão descreve que o grupo trabalhava "revirando montes de lixo e separando material de reciclagem em um galpão de triagem de resíduos tanto recicláveis quanto orgânicos e rejeitos". No local, também havia restos de alimentos em decomposição, papéis higiênicos usados e fraldas descartáveis".
Segundo o MPT, a estrutura não possui água para lavar as mãos, sanitários, vestiários ou espaço para guardar objetos. A operação aponta que os homens e a mulher precisavam fazer as necessidades fisiológicas no mato. Além disso, iam para casa com os uniformes sujos após o expediente.
A comunicação descreve também que a única instalação próxima era um vaso sanitário situado em um casebre ao lado do galpão em que a triagem era feita. No entanto, o local estava inutilizável por falta de água e infestação de ratos.
O galpão onde a triagem ocorria também foi interditado. Conforme o órgão, a operação verificou que as condições do local eram precárias. Segundo a comunicação do MPT, faltavam telhas metálicas na cobertura e nas paredes laterais, com risco de queda. Nos dias de chuva, a água vazava para dentro do ambiente de trabalho.
O MPT afirma também que a reforma do galpão de triagem havia sido reconhecida pelo próprio município quando a empresa vencedora de licitação foi contratada. Segundo o contrato, estava prevista a destinação de recursos para a melhoria das condições do galpão, sendo as obras de responsabilidade da cooperativa. Porém, de acordo com a operação, os trabalhos não teriam ocorrido.
Outras irregularidades constatadas pela operação, conforme o órgão, seriam a falta de vacinação dos recicladores contra doenças como tétano e hepatite B e de procedimentos para os casos de acidentes com objetos cortantes.
Segundo os trabalhadores, os cortes e perfurações eram comuns por conta de cacos de vidro, lâminas, pedaços de metais enferrujados e até seringas descartáveis presentes no lixo. Eles relataram que na maioria das vezes, disseram apenas limpar o sangue e continuar trabalhando. Em outros casos, procuraram assistência médica por conta própria.
O que diz a cooperativa e a prefeitura
O jurídico da Cooperativa de Trabalho de Bom Jesus afirma que a empresa já está providenciando as adequações solicitadas pelos órgãos trabalhistas. O advogado Rafael Karan explica que algumas situações também serão conversadas, uma vez que o galpão pertence à prefeitura:
— Tem muitas questões que temos que ver, mesmo porque o pavilhão pertence à prefeitura. As condições de saneamento porque é um local que não tem água potável, não tem água tratada, não tem ligação de água da cidade, teria que ter uma fossa ou uma caixa d 'água sendo abastecida, assim, meio que periodicamente. E a cooperativa já está providenciando tudo que tem que fazer ali, arrumar, enfim, fazer uma análise pelas Normas Regulamentadoras (NRs), (como) NR24, que é do meio ambiente do trabalho, já ajustar essa situação do banheiro, da área de vivência, tentar ver com a prefeitura uma autorização para que possa se mexer no terreno. A cooperativa não é dona do terreno, então ela tem que pedir autorização para a prefeitura para poder fazer qualquer tipo de intervenção.
Já a comunicação da prefeitura afirma que "é uma ação relacionada à administração anterior que não teria tomado as devidas providências e, como gestor que assumiu agora, diante dos fatos estarem relacionados à gestão anterior, esclarecimentos devem ser feitos pela representante do Executivo à época".
Em 2025, Lico (PP) assumiu o município. Anteriormente, Lucila Maggi (MDB) era a prefeita de Bom Jesus. A reportagem contatou Lucila e a matéria será atualizada em caso de manifestação.