Nem a crise apontada como uma das maiores da história do país tira a disposição de investir de Clovis Tramontina, presidente da empresa que leva seu sobrenome e está entre as 10 maiores do Estado, com receita anual de R$ 4 bilhões. Quando dificuldades federais e estaduais fechavam o horizonte dos negócios, a empresa de 104 anos anunciou a entrada no segmento de eletroportáteis, que, no início, serão importados.
Clovis admite que não é o melhor momento: a cotação do dólar quase duplicou desde a concepção do projeto. Diz que pensa no futuro e leva para os negócios o mesmo ânimo com que enfrenta há 35 anos - sem crises nos últimos 17 - a esclerose múltipla que o faz usar bengala, para deslocamentos curtos, ou cadeira de rodas, para os longos.
- A primeira coisa é não fazer como avestruz, se esconder e não ver que tem uma crise. Sou otimista, mas a crise existe. É preciso tentar driblar com as ferramentas possíveis - incita.
Leia outro trecho da entrevista:
Clóvis Tramontina: vamos "resistir tudo o que der" para não fazer demissões
É mais do que discurso. Além de lançar produtos, faz promoções em parceria com revendedores e avisa que vai "resistir tudo o que der" para não fazer demissões. Ainda se deu ao trabalho de visitar um cliente na longínqua Papua Nova Guiné. Aproveitou para conhecer as atrações turísticas?
- Ficamos só um dia, em um hotel. Foi só para visitar o cliente (risos). Chegamos no sábado e saímos no domingo.
Neste trecho da entrevista, Tramontina comenta a crise vivida pelo país e os problemas no Estado e fala de otimismo. Confira:
O senhor tem mais de uma crise no currículo. O que esta tem de diferente em relação às anteriores?
Esta é uma crise mais política e de confiança. As pessoas sentem receio de comprar, de gastar seu dinheirinho, porque há muita incerteza. A maior crise é a seguinte: a gente não sabe para que lado vai. É um barco sem rumo, tanto em nível federal quanto no estadual. Aqui, já se sabe que o Estado está quebrado, e não é uma coisa do Sartori, de seis meses, não. É uma situação que vem se agravando ao longo do tempo. O que o Rio Grande do Sul tem de diferente em relação a outros é o tamanho do Estado. Temos de diminuir esse tamanho e adaptá-lo a uma nova realidade. Mais impostos geram desemprego, e a pior crise que pode existir é a que provoca desemprego alto.
Esta é a crise mais grave que já houve no país?
Esta é a pior porque é a que estamos vivendo agora. As outras já passaram, e nós superamos. A crise do momento sempre é a pior. O cenário de 10, 20 anos atrás era diferente. É difícil comparar com as anteriores porque os cenários eram diferentes.
Programa de índio - No Colégio Santa Rosa, aos 11 anos (terceiro da D para a E), gostava de matemática e festejava o Dia do Índio (Foto: Arquivo pessoal)
O que o senhor, que se considera otimista, tem a dizer a quem está desanimado?
A primeira coisa é não fazer como avestruz, se esconder e não ver que tem uma crise. Sou otimista, mas a crise existe. É preciso tentar driblar usando as ferramentas possíveis. Estamos lançando produtos, fazendo promoções, conversando com os clientes para que eles também façam preços especiais, para que todos possam ganhar. Essa é uma maneira de enfrentar uma crise.
Qual é a pior situação, a do Estado ou a do país?
O Estado está pior porque tem uma situação de falta de caixa. É muito complicado, porque o tamanho do Estado é maior do que a capacidade de gerar recursos, ao ponto de não conseguir quitar a folha de pagamento. Algo está errado. O Estado tem de cair fora de algumas atividades, como zoológico, parque de exposições de Esteio. Passar para a iniciativa privada, diminuir o funcionalismo público, aí sai de uma despesa para uma receita. Assim encorpa o Rio Grande do Sul, volta a ser o Estado do qual temos orgulho. O Rio Grande do Sul virou o coitadinho, não pode ser assim.
Meio a meio - Com o vice-presidente Joselito Gusso, mais alto gestor da família Scomazzon, que tem 50% da Tramontina (Foto: Murillo Tinoco, Divulgação)
Por que não é coitadinho?
É um Estado bacana, tem exportação, produção agrícola e pecuária, indústria, comércio importantes, o turismo é espetacular. Nossa matriz econômica é sensacional, nosso problema é um Estado superdimensionado para o tamanho que temos.
O senhor projeta fundo do poço ou luz no fim do túnel?
Eu tenho uma máxima de que a gente não consegue enxergar a luz no fim do túnel, então precisa acelerar para chegar até lá.
Marca de família - Clovis, na foto com o pai, Ivo, de 86 anos, é a terceira geração do negócio que começou com canivetes (Foto: Arquivo pessoal)
Além da crise aguda, o que mais atrapalha os negócios no Brasil?
A falta de infraestrutura. Pega, por exemplo, as estradas. Nossos fretes ficam mais caros. Eu disse isso à presidenta Dilma (Tramontina se reuniu com Dilma Rousseff em janeiro deste ano, depois de pedir uma audiência à presidente). Tive de chamá-la de presidenta, embora não concorde, acho que é presidente.
Alguém lhe orientou?
Não, eu conversei com ela. A primeira coisa que disse a ela foi 'a senhora não tem de ser chamada de presidenta, porque essa palavra não existe'. Ela respondeu: 'Mas eu gosto'. E eu disse: 'Então a partir de agora a senhora é presidenta'. Vou discutir o quê? (risos). Ela me fez essa pergunta sobre o produto chinês, e eu disse a ela que, da porta da fábrica para dentro, nós não temos medo nenhum dos chineses. Se colocar uma fábrica chinesa aqui para concorrer com a gente, vai ser nas mesmas condições. O problema é que eles chegam aqui em condições diferentes, de custo de mão de obra, de custo de energia, de incentivos, de dólar para exportação. E fiz a comparação de uma panela. Uma de inox, de tamanho 20, sai da fábrica por R$ 40. É vendida na loja por R$ 90, R$ 79. E os chineses colocam um conjunto de panelas por R$ 49,90 no ponto de venda. Esse é um problema. Tentamos ganhar na agilidade, nos serviços, na marca e na qualidade.
Hoje há dúvidas sobre a permanência da presidente no cargo. Qual sua opinião?
Ela deve ficar até o final, foi eleita. Tem um problema de credibilidade, mas tem mecanismos que pode utilizar, mexer no ministério, cortar custos. Com 39 ministros, ela não sabe nem o nome de cada um. Sobre ficar ou não ficar, ruim com ela, pior sem ela.