Com o colapso da política europeia para refugiados, tornaram-se correntes tentativas de explicação para a atual crise no Mediterrâneo que, além de erguer cercas contra a realidade empírica, também extraditam a história. A seguir, cinco delas:
Antes de permitir ingresso de novos refugiados, os 28 países membros da União Europeia precisam entrar em acordo sobre o número que cada um terá de abrigar. Quando a negociação da dívida grega estava em curso, líderes europeus ironizaram a ideia de Atenas de organizar um plebiscito sobre a proposta dos credores. Agora, diante de uma tragédia humanitária, os mesmos governantes, pressionados pela xenofobia de parte de seus eleitorados, condicionam a ajuda aos migrantes a um quase impossível acordo multilateral prévio.
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Se os refugiados fossem provenientes da Austrália ou da Nova Zelândia, a Europa os receberia de braços abertos. Ao longo da história, o continente europeu foi pródigo em expulsar parte considerável de sua população, majoritariamente branca. Irlandeses, italianos, ucranianos, poloneses, gregos, judeus, búlgaros, alemães - todas essas nacionalidades já estiveram, em algum momento, entre os párias que a Europa refugou. As próprias Austrália e Nova Zelândia foram colonizadas graças a esse material humano.
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Mais migrantes significam mais crime, pobreza e doenças. Albert Einstein, Hannah Arendt, Béla Bartók, Gilberto Gil, Isabel Allende, André Breton, Theodor Adorno - esses e outros cientistas, artistas e pensadores já estiveram reduzidos à mesma condição de perseguidos, deslocados e sem-pátria em que se encontram os contingentes que aportam às praias gregas e italianas. Se o planeta tivesse lhes fechado as portas, a condição humana atual seria incomensuravelmente pior.
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Contribuintes europeus não podem pagar por uma crise humanitária que não provocaram. Nenhum refugiado busca abrigo em países responsáveis por seu martírio. A tendência natural é procurar refúgio junto a terceiros, ou que pelo menos são assim percebidos pelos que fogem. A União Europeia foi criada, porém, sob o signo da solidariedade e dos direitos humanos. Se essas palavras não são mais do que declarações vazias, a hora de mostar o que significam é agora.
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No entorno dos países conflagrados, a Europa é a única a negar guarida aos migrantes. Síria, Líbia e outros países estão cercados de indiferença. A mais gritante é a dos 22 países da Liga Árabe, a começar pelos mais ricos, como a Arábia Saudita e as petromonarquias do Golfo. Sauditas, cataris e outros têm contribuído para o desastre ao financiar grupos fundamentalistas e, depois, ignorar a onda de civis atingidos pela guerra.
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Luiz Antônio Araujo: extraditando a história
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