A decisão da cúpula do Palácio Piratini de postergar a apresentação do projeto de lei que amplia o uso dos depósitos judiciais - capaz de injetar, de imediato, R$ 1 bilhão nas contas do Estado - divide opiniões.
Há mais de mês, o Poder Executivo protela a medida, que poderia evitar o parcelamento de salários do funcionalismo, para garantir a aprovação de outras propostas primeiro, entre elas a do aumento de ICMS. A estratégia é motivo de críticas na oposição e de indignação entre os servidores.
Governo tenta antecipar votação do tarifaço para a próxima semana
Nos bastidores, o líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB), segue tentando convencer a oposição a antecipar a votação do tarifaço - na quarta-feira, a primeira tentativa fracassou.
A intenção do Piratini é condicionar o envio do projeto dos depósitos - defendido pela oposição - a um acordo de líderes para votar, junto, a elevação da carga tributária. Segundo o governo, a iniciativa reforçará a arrecadação em R$ 1,9 bilhão a partir de 2016, amenizando a crise nas finanças estaduais no longo prazo. Os opositores discordam.
Enquanto a costura política não avança, a pressão sobre o governador José Ivo Sartori aumenta, e a voltagem das manifestações lideradas por funcionários públicos descontentes também.
Na avaliação do cientista político Gustavo Grohmann, da UFRGS, a manobra é arriscada.
- É difícil fazer uma análise, porque não sabemos ao certo o que é blefe e o que é realidade nessa história, mas a estratégia parece ruim, porque está colocando o funcionalismo e a população contra o governo. Não sei até que ponto o risco disso foi calculado - pondera.
Já Hermílio Santos, professor de Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), entende que a estratégia faz sentido. Segundo ele, a ampliação do uso dos depósitos judiciais para 95% do saldo significaria um fôlego extra para o governo no curto prazo, mas aumentaria o rombo das contas públicas.
- Se o governo lançar mão, alivia a situação financeira, mas fragiliza o argumento em relação ao governo federal e à questão envolvendo a dívida com a União. Me parece que esse tenha sido o pensamento. O problema é que não tem surtido efeito e, sendo assim, não restam alternativas a não ser essa, que não vai resolver o problema - diz Santos.
Os depósitos judiciais são recursos de terceiros em litígio na Justiça, que ficam parados no Banrisul até que processos judiciais cheguem ao fim. Hoje, o Estado pode sacar, na forma de empréstimo, até 85% do total, mas chegou ao limite. Além disso, por mês, é obrigado a pagar cerca de R$ 90 milhões em juros ao Judiciário.
O Tribunal de Justiça aceitou abrir mão de 50% desses rendimentos, o que reduziria a carga sobre o Estado. Mas esse projeto também depende de aval do Piratini e, mesmo que seja aprovado, os custos não estarão zerados.
A demora não coloca em risco o pagamento das próximas parcelas salariais, porque o governo conta com o ingresso de ICMS para quitar os valores. Apesar disso, se fosse acelerada, a medida poderia garantir o cumprimento integral da folha de uma só vez, amenizando os problemas causados pelo fatiamento e apaziguando os ânimos.
Entre políticos, também não há consenso sobre a questão. Líder da bancada do PSOL, o deputado estadual Pedro Ruas classifica a demora como "cruel".
- O governo já podia ter amenizado a crise aprovando o projeto dos depósitos há muito tempo, porque existe acordo para isso. Todos somos a favor. Mas prefere fazer o jogo do "quanto pior, melhor" para forçar a aprovação do aumento de impostos, e isso é um absurdo - avalia Ruas.
Para o presidente do PDT no Estado, Pompeo de Mattos, a estratégia está "absolutamente certa". O deputado federal argumenta que Sartori está agindo com "responsabilidade".
- O governo tem de ter recursos garantidos no longo prazo e não apenas no curto prazo. Os depósitos são um paliativo, e depois terão de ser pagos. Não é só gastar e pronto. É por isso que esse projeto está dentro de um contexto. Não pode ser votado de forma isolada - argumenta Mattos.
Líder de bancada do PMDB na Assembleia, o deputado Álvaro Boessio diz que o governo precisa criar condições para aprovar propostas mais amplas, que integram os pacotes de ajuste fiscal já enviados ao Parlamento e que aguardam votação.
- Só o projeto dos depósitos não vai resolver a situação. Então, tem que aproveitar esse momento de crise. O dos depósitos vai ajudar com o pagamento da folha por um ou dois meses, mas e depois? - questiona Boessio.
O que propõe o Piratini no tarifaço:
- Elevação da alíquota básica do ICMS de 17% para 18% por tempo indefinido.
- Aumento de 25% para 30% do tributo sobre gasolina, álcool, telefonia e energia elétrica comercial e residencial acima de 50 kW por tempo indefinido.
- Criação do Fundo de Proteção e Amparo Social, com a cobrança de adicional de dois pontos percentuais sobre TV por assinatura (hoje, de 12%), fumo, bebida alcoólica, cosméticos (25%) e refrigerante (18%).