De acordo com o consultor da Unicef e juiz aposentado, João Batista Costa Saraiva, a convenção da ONU firmou, a partir de estudo científicos, o entendimento de que pessoas em desenvolvimento têm uma compreensão de espaço e tempo diferente da de um adulto. Por isso, o período de privação de liberdade para adolescente é mais breve.
- Quem trabalha com adolescente sabe que um rapaz de 16, 17 anos, pode se transformar completamente, em um período muito menor do que um adulto - comenta Saraiva.
As interrogações na proposta de redução da maioridade penal
Aumento do tempo de internação é principal alternativa
Enquanto o país aguarda com expectativa a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos e graves - a medida está discussão no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira - esquenta o debate entre autoridades, políticos e especialista sobre a idade adequada para punir menores que cometem delitos. Um estudo publicado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, de autoria da consultora Gisela Santos de Alencar Hathaway, verificou que entre 72 países de todos os continentes, em 44 (61%) a maioridade penal é de 18 anos ou mais.
No Brasil, apesar de legislação seguir essa tendência, existe a figura jurídica da idade mínima de responsabilidade penal, que permite a privação de liberdade para adolescentes a partir dos 12 anos. O conceito têm origem na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada em Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989, que criou um modelo de responsabilidade penal para pessoas menores de 18 anos. O Brasil, que é signatário do acordo, foi um dos primeiros a se adequar, com a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990.
O que jovens da Fase pensam sobre a redução da maioridade penal
Em sua publicação, a consultora da Câmara utilizou dados de pesquisas internacionais - do Reino Unido, de 2009, e a mais recente, publicada este ano nos Estados Unidos - para comparar a idade mínima de responsabilidade penal e a maioridade penal em diversos países. A análise dos dois estudos, segundo Gisela, mostra que a tendência internacional é de manter a maioridade penal em 18 anos.
- Um sistema em que os adolescentes em conflito com a lei são submetidos à justiça juvenil a partir dos 12 anos e passam a ser penalmente imputáveis a partir dos 18 anos é comparativamente equilibrado e justo, estando em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil sobre os direitos humanos das crianças e adolescentes e dos jovens como minorias etárias - escreve a pesquisadora no estudo.
O jurista defende que o debate, no lugar de propor a redução da maioridade penal, deveria estar centrado na ampliação do tempo de internação dos adolescentes, que hoje cumprem no máximo três anos de privação de liberdade. Segundo Saraiva, na Alemanha e no Chile, o tempo máximo de internação é de 10 anos, para jovens entre 14 e 18 anos. Na Espanha e na Colômbia, é de oito anos, para adolescente na mesma faixa etária.
Governo articula no Senado proposta alternativa à redução da maioridade penal
- Nós já temos uma idade penal aos 12 anos. O que temos que discutir é se esse modelo tem dado a resposta satisfatória. Sou da opinião de que deveríamos criar faixas de responsabilidade de 12 a 14 anos, de 14 a 16, e de 16 a 18 anos, com tempo máximo de privação de liberdade diferenciado nessas faixas e tipos penais que autorizem esses limites - sugere Saraiva.
O doutor em Direito Penal e autor de Tratado de Direito Penal, entre mais de 30 obras, Cezar Roberto Bitencourt, também acredita que o aumento do tempo de internação seria mais eficiente para equilibrar a punição aos adolescentes infratores de acordo com a gravidade dos delitos cometidos:
- Será muito mais produtivo aperfeiçoar o ECA, aumentando o tempo de privação de liberdade. Poder-se-ia, por exemplo, criar faixas: para menores de 12 a 14 anos, até 3 anos de liberdade vigiada, internação até 5 anos para menores de 14 a 16 anos, e de 16 a 18 anos incompletos, até 7 anos. Ademais, o menor deverá cumprir toda a privação de liberdade aplicada independentemente de completar os 18 anos - sugere Bitencourt.
Com cruzes em frente à Fase, ONG faz protesto contra redução da maioridade penal
Para o presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) do Rio Grande do Sul, Robson Luis Zinn, ampliar o período de internação é a opção livre dos problemas que poderiam ser provocados com a redução da maioridade penal:
- É uma solução muito mais adequada, porque o trabalho da Fase em ressocializar os jovens, mesmo com cerca de 30% de reincidência, é incomparável ao que ocorre nos presídios, com índice de retorno superior a 70%. Na Fase todos estudam e realizam atividades, enquanto na cadeia eles seriam aliciados pela escola do crime das facções - afirma Zinn.
Para defensores da PEC, ampliar período de internação não resolve
Para o relator da PEC na comissão especial da Câmara dos Deputados, deputado Laerte Bessa (PR-DF), o aumento do tempo de internação não resolveria os anseios da sociedade por uma punição mais rígida.
- Não adianta aumentar o tempo de internação se ele não fica (na unidade socioeducativa). O ECA não é rígido quanto a isso. O cara comete um latrocínio, estupra, mata, vai para lá e fica seis meses e não pode ficar mais porque não tem vaga. Aí fica solto, estuprando e matando - afirma Bessa.
Relator muda parecer e propõe reduzir maioridade para crimes mais graves
O presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, deputado Alberto Fraga (DEM-DF), considera que o aumento do tempo de internação é uma opção a ser avaliada após a redução da maioridade penal.
- É um segundo passo, para alcançar os de 12 a 15 anos. O grande problema é que hoje ninguém cumpre, de seis em seis meses, o cara sofre uma avaliação. Aí, "ah, isso aqui tá superlotado, vamos colocar na rua". E aí ele mata dois, três - Fraga.
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Detalhe ZH
Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), a matéria precisará de, no mínimo, 308 votos para ser aprovada. Se passar, haverá ainda votação em segundo turno na Câmara e, depois, em dois turnos no Senado.