A controversa proposta de registrar na Constituição que todo poder emana de Deus, e não do povo, entrou em tramitação no Congresso com a assinatura de nove deputados federais do Rio Grande do Sul entre os 172 apoiadores de todo o país.
Criticado por representar uma violação do caráter laico do Estado, o projeto seguiu seu caminho por linhas tortas: pelo menos três dos parlamentares gaúchos subscreveram a proposição sem concordar com sua aprovação. Dois já solicitaram a retirada de seus nomes do documento.
Os deputados gaúchos que sustentaram a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12/2015 apresentada pelo deputado Cabo Daciolo (PSOL-RJ) foram procurados por Zero Hora para esclarecer o que pensam sobre a transferência, de papel passado, do poder mundano para as mãos divinas. Dos seis que se manifestaram, Paulo Pimenta (PT) e Dionilso Marcon (PT) admitiram ter assinado a chamada "PEC dos Apóstolos" sem ler, em razão de um acordo estabelecido com outras siglas de esquerda, como PCdoB e PSOL, para apoiarem a tramitação dos projetos uns dos outros.
- A assinatura é para tramitar, não é uma análise de mérito. Tão logo foi identificado o teor da PEC, imediatamente nós retiramos as nossas assinaturas - afirma Pimenta.
Mas o parlamentar admite que, ainda assim, o apoio inadvertido poderia ter sido evitado:
- Foi uma atitude, digamos assim, imprudente.
Segundo o sistema de acompanhamento legislativo da Câmara, os dois petistas já requisitaram formalmente a retirada do apoio, além de cinco deputados de outros Estados. A PEC aguarda despacho da presidência da Câmara, mas tem pouca chance de virar realidade. O projeto teria ainda de enfrentar a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e uma Comissão Especial antes de ir a plenário. Caso aprovado, seguiria para o Senado. Nas duas casas, precisaria do respaldo de três quintos dos parlamentares em votações de dois turnos.
O deputado Carlos Gomes, do PRB, confessa que ficou dividido ao analisar a PEC: como pastor, se viu obrigado a assinar a proposta por convicção pessoal, mas, como parlamentar, promete que votará contra a proposição caso chegue a plenário.
- Eu posso assinar (a proposta) do ponto de vista espiritual, mas, se for para votar, embora pareça contrassenso, entendo que deve continuar o Estado laico porque não devemos impor religião a ninguém - argumenta Gomes.
José Stédile (PSB), Luiz Carlos Heinze (PP) e Ronaldo Nogueira (PTB) mantiveram o apoio e se declararam favoráveis ao repasse do poder do povo para Deus. Fernando Marroni (PT), José Otávio Germano (PP) e Sérgio Moraes (PTB) não atenderam às ligações e não deram respostas aos recados deixados por ZH entre a noite de quarta-feira e a tarde de domingo.
O QUE DISSERAM OS DEPUTADOS
JOSÉ STÉDILE (PSB)
"Nós estávamos em um grupo, no plenário, e esse deputado do PSOL pediu para nós subscrevermos (a proposta) para levar ao debate. Nesse momento, não é quem é a favor ou quem é contra, é só para que houvesse o debate. É justo que ele (Cabo Daciolo) tivesse, como deputado de primeiro mandato, esse debate na Câmara de alteração da Constituição. E nós não achamos problema algum, não é um tema decisivo neste momento. Foi em respeito ao PSOL, por solicitação do PSOL (...).
Eu apoio. Acredito que esse debate não vai prosperar, porque ele não passa na Comissão de Constituição e Justiça, mas apoio a ideia de Ele constar no texto. Nós botamos Deus em vários materiais, em várias coisas, e aí não está definindo qual é o Deus, né? É geral. Não vejo como problema isso, eu apoio."
LUIS CARLOS HEINZE (PP)
"Como cristão, entendemos que é importante colocar isso aí. Acho que não...(compromete o Estado laico). Não vejo por esse lado. Eu não interpreto assim. Não entendo assim. Cada um pensa de um jeito. Tem gente que realmente não tem essa vinculação com igrejas. Eu tenho. Sou evangélico, e a minha religião é essa.
Eu não olhei por esse lado, essa questão...não tem nada...Tem esse pessoal que não tem religião, eu tenho. Minha esposa é católica, meu filho foi ministro da Igreja Católica, eu sou luterano, evangélico. Para nós, não há problema nessa questão."
PAULO PIMENTA (PT)
"Na realidade, nós somos contra a PEC. E existe um acordo, um entendimento entre nós, de que iniciativas parlamentares do PSOL, do PCdoB, de bancadas menores, normalmente recebem apoio para tramitar. Nesse sentido, vários deputados do PT, dentro desse princípio, assinaram, em função de ser uma proposta do PSOL. Tão logo foi identificado o teor da PEC, imediatamente nós retiramos as nossas assinaturas (...).
A assinatura não é de mérito, é para tramitar, autorizar que seja protocolada. Foi uma atitude, digamos assim, imprudente. Não houve uma avaliação do mérito. Tão logo foi analisado o mérito, a assinatura foi retirada. É uma proposta absurda, uma proposta que afronta o princípio do Estado laico."
RONALDO NOGUEIRA (PTB)
"Subscrever a PEC é não tirar do deputado que tem a proposta originária (a possibilidade) de levantar o debate no parlamento. Então, muitas vezes, o ato de subscrever uma PEC tem esse propósito. No sentido de não tirar do deputado a sua vontade discricionária de levar para o debate determinado tema que o deputado julgue que seja interessante.
Com relação ao entendimento da matéria, há uma convicção pessoal de que realmente todo poder emana de Deus e esse poder é outorgado para ser manifesto através do homem e das suas ações (...). A laicidade do Estado não se caracteriza por uma Constituição manifesta de um sentimento evolutivo, de um pensamento ateu, entendeu? Eu sei que, nesse aspecto, não tem certo, nem errado, tem é ponto de vista."
CARLOS GOMES (PRB)
"Acho que o deputado (Cabo Daciolo) colocou o ponto de vista dele, mas, como o Estado é laico, é interessante permanecer laico. Ele está dando enfoque do ponto de vista da religião. Eu tenho a minha religião, minha fé, do ponto de vista religioso, tudo ok, mas, do ponto de vista constitucional, para manter o respeito a todas as crenças, entendo que o Estado deve continuar laico.
A coleta de assinaturas mostra uma intenção. Eu falei (para o autor da PEC): posso assinar do ponto de vista espiritual, mas, se for para votar, embora pareça contrassenso, mas do ponto de vista constitucional, entendo que deve continuar o Estado laico porque não devemos impor religião a ninguém."
DIONILSO MARCON (PT)
"Eu assinei, acho que depois retirei. Eu sou contra o projeto, mas nada impede de o cara ter a condição para fazer ele andar internamente. Mas eu sou contra o projeto. Eu só assinei porque achei que o cara tinha condições...o cara do PSOL, que tinha condições de fazer andar e tramitar internamente. Mas minha opinião sobre a matéria, eu sou contra.
Assinei porque me pediram para assinar, e eu não li. Nada impede de a gente assinar para que ele dê circulação interna, mas o PT é contra (...). Isso é costumeiro, de o cara assinar, deixa tramitar internamente, depois tu avalia a matéria. Mas o PT assinou por uma colaboração que nós temos com o PSOL, e depois ficamos sabendo que o PSOL é contra a PEC também."