Empresas familiares, na avaliação de um dos maiores especialistas, são como mães: só mudam de endereço. Fundador do Owner Managed Business Institute e hoje à frente do Cambridge Advisors to Family Enterprise, John Davis se dedica há décadas a educar e orientar famílias para administrar negócios. Com base nessa experiência, afirma que poucas diferenças entre países impactam esse tipo de organização, seja em cultura ou estrutura tributária.
Com formação em Gestão de Negócios, Psicologia e Economia, Davis é muito requisitado no Brasil, onde ajudou a definir sucessões nas maiores empresas nacionais, de Votorantim a Gerdau. Conhece segredos de copa e cozinha, mas tem perfil discreto, o que só aumenta seu prestígio com os clientes. Professor da Harvard Business School desde 1996, ensina Gestão de Negócios Familiares no curso de MBA e comanda o Programa de Educação Executiva de Negócios Familiares: de Geração em Geração. No dia 3, faz palestra na Capital, em evento em parceria entre RBS e HSM. Confira algumas de suas ideias.
Como a cultura de cada país afeta as empresas familiares?
Curiosamente, a cultura do país, incluídas leis e regras sobre impostos, tem pequeno efeito nos problemas mais frequentes nas empresas familiares. Isso significa que negócios são negócios e famílias são famílias. A questão cultural tem mais impacto em como se fazem mudanças nos negócios ou na família.
Quais as maiores diferenças entre empresas familiares nos Estados Unidos, no México e no Brasil?
Existem algumas diferenças perceptíveis. Brasil e EUA têm mais coisas em comum, e o México tem mais diferenças culturais, mas não acho que os três países sejam muito diferentes. No México, por exemplo, as famílias ficam juntas por mais tempo e cultivam relacionamento mais próximo entre irmãos e primos. Nos EUA, famílias são muito menos próximas, especialmente depois da segunda geração. O Brasil está no meio-termo. Por outro lado, famílias americanas são mais abertas a vender seus negócios. As mexicanas, muito menos, embora essa característica esteja crescendo, e as brasileiras estão, outra vez, em algum lugar no meio.
É possível e eficiente dividir a gestão entre diferentes familiares?
A informação mais surpreendente para a maioria das pessoas é que as companhias controladas e geridas por famílias têm melhor desempenho do que as não familiares. Isso tem sido demonstrado em vários países, tanto em empresas de capital fechado quanto nas que têm ações no mercado. A diferença de desempenho é grande. Isso não significa que todas as empresas familiares são superiores às não familiares, apenas que, em média, têm melhor desempenho.
Existem modelos de empresa familiar? O senhor conhece, por exemplo, a família sueca Wallenberg, com mais de um século?
A família Wallenberg é muito conhecida por ser antiga e grande. Existem várias empresas familiares no Brasil que considero excepcionais modelos de negócios, como Votorantim, Itaú e RBS.
Problemas emocionais podem ser mais fortes do que a divisão de dinheiro em uma empresa familiar?
Sentimentos pessoais em uma família são geralmente mais importantes que seu interesse em dinheiro. É possível perceber isso nas decisões tomadas. Geralmente, é uma boa característica porque se espera que o interesse da família em seu legado e o orgulho que tem do seu negócio vão motivá-los a tornar a companhia mais forte e garantir sua continuidade até a próxima geração.
O senhor conhece casos em que não tenha sido possível conciliar os interesses familiares?
Existem famílias que decidem vender a companhia e, algumas vezes, isso ocorre porque não conseguem chegar a acordo, em outras porque percebem sabiamente que seu setor está mudando e precisam vender para recolocar o capital em outro negócio ou investimento que possa ter mais sucesso. Vender uma empresa familiar é visto com frequência pelo público como sinal de fracasso, mas nem sempre é. O maior fracasso ocorre quando uma família não consegue tomar decisões difíceis e perde tudo.
No Brasil, qual é o maior obstáculo para resolver bem as sucessões?
Não há desafios muito diferentes dos existentes nos EUA, na Índia ou na Noruega. O maior obstáculo para uma sucessão suave é tornar a nova geração apta a liderar e controlar a empresa de forma eficiente. Os integrantes da próxima geração devem agir proativamente para se desenvolver como bons controladores e líderes de negócio. A geração sênior não apenas tem de desafiar os mais jovens com funções exigentes, mas também saber como dar-lhes oportunidades de usar suas próprias ideias para desenvolver a companhia. Se a geração sênior não transferir poder no tempo certo, é quase tão ruim como não desenvolver a próxima geração.
Qual a característica mais favorável aos negócios familiares no Brasil?
Provavelmente o mais importante seja a capacidade de planejar e investir a longo prazo. O chamado "capital paciente" (com paciência para obter retorno) de negócios familiares acaba garantindo estabilidade que permite ter um bom desempenho na média.
Por que é tão difícil cultivar a filantropia no Brasil?
Acredito que a filantropia vai crescer à medida que as famílias vejam que não é apenas uma forma de ajudar o país e outros menos afortunados, mas de desenvolver valores e capacidades das futuras gerações. Quando mais famílias atuarem de maneira filantrópica, outras vão ver e aderir a esse gesto.
Mudou a noção de que a gestão profissional seria a única forma de perpetuar uma empresa?
Ter gestores muito capazes de fora da família é quase sempre necessário. Se a família não pode fornecer a melhor gestão operacional para a companhia, deve se preparar e deixar um executivo externo administrar o negócio.