Mesmo as almas mais urbanas tiveram tempo de sentir falta das árvores nos últimos meses. Com menos idas à rua, além de parques e praças fechados em razão do distanciamento social, muita gente que vive na cidade perdeu o pouco contato que tinha com a natureza durante o confinamento. Mas há quem tenha reagido, buscando, a sua maneira, levar um pouco de verde para dentro de casa.
O desejo de estar mais perto de plantas já se reflete nas vendas de algumas lojas do setor em Porto Alegre. Proprietária de uma floricultura na Zona Norte, Mariana Giustina percebeu uma mudança no perfil de clientes e produtos desde o começo da pandemia. O local, que atua há quase uma década focado em paisagismo, viu crescer a busca por plantas para ambientes internos.
— Muitas pessoas não tinham nenhuma planta e, durante a quarentena, começaram querer. Acho que, trancadas em casa, sentem falta do verde. Comecei a investir nisso e buscar um estoque mais diversificado — conta a proprietária da Floricultura Victória.
Samambaias, jiboias, peperomias e costelas-de-adão viraram as mais pedidas da casa, que também ampliou o atendimento via redes sociais e passou a fazer telentrega. Para cativar a clientela, Mariana dá dicas de cuidados e usa o perfil da loja no Instagram para postar novidades.
O movimento que seu empreendimento vê se intensificar com o confinamento vem na esteira de outro, que cresce entre os millenials. Estilo de decoração que privilegia plantas, o chamado urban jungle (floresta urbana, em tradução literal) já fazia sucesso no Instagram — o movimento liderado por Igor Josifovic e Judith de Graaff resultou no livro Urban Jungle: Living and Styling with Plants.
Mas a busca por likes não é o único combustível dos jardineiros do confinamento. Com mais tempo em casa, a preocupação com uma alimentação saudável também serviu para impulsionar guris de apartamento a colocarem a mão na terra. Afinal, há melhor forma de conhecer a procedência de um alimento do que plantando ele em casa?
O sonho da horta própria movimentou a rotina de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) nos últimos meses. Uma edição virtual de um curso gratuito de hortas para pequenos espaços ministrado por funcionários do órgão, vinculado ao Ministério da Agricultura, teve mais de oito mil inscritos na primeira edição, em abril. A segunda turma, no começo de maio, atingiu 10 mil alunos.
— A gente imaginou que teria uma demanda grande, porque o livro sobre isso está entre os mais baixados do nosso site. Hoje a exigência do consumidor por uma alimentação saudável está aumentando, e colher o que produz é uma coisa que encanta as pessoas — conta a bióloga Lenita Haber, analista de transferência de tecnologia da Embrapa Hortaliças.
O projeto realizado há 10 anos de forma presencial migrou para a internet em razão do distanciamento social. Além de ensinar leigos a começarem uma horta caseira, o curso de oito horas ensina princípios básicos de cuidados com o solo, irrigação e luminosidade, e indica as espécies que se adaptam melhor a cada ambiente. Uma nova turma deve ser aberta na segunda-feira (18).
Mais do que matar a saudade do mato, ganhar atenção nas redes sociais ou melhorar a alimentação, estudos indicam que interagir com plantas e vegetais também tem efeito terapêutico, e pode ajudar a lidar com a ansiedade — nada mais conveniente em tempos em que esse sentimento tornou-se onipresente. Segundo a psicanalista e professora do curso de psicologia da Unisinos Luciane Slomka, conectar-se com outras formas de vida pode, ainda, trazer uma perspectiva mais positiva em um momento de vulnerabilidade.
— Estamos cercados por um sentimento de morte, de incerteza, de finitude. As pessoas se sentem impotentes. Ser capaz de fazer algo nascer e ver que o cuidado ativo gera vida pode ajudar psicologicamente — diz.
Conheça três histórias de quem aproveitou o distanciamento social para se aventurar no mundo da jardinagem:
Selva no apartamento
Cuidar de plantas era um estigma para a analista de serviços Denize Maia, 38 anos, até pouco mais de um mês atrás. Ela não só não tinha prática, como carregava o trauma de ter matado todas as espécies que tentou cultivar até então.
O jogo virou quando, no começo do distanciamento, ela e o companheiro resolveram aproveitar o tempo estendido em casa para mudar os móveis de lugar e redecorar o apartamento. A busca por objetos que trouxessem um pouco de natureza para dentro de casa, onde agora a dupla passa a maior parte do tempo, levou-a a uma nova e ousada tentativa. Depois de descobrir pela internet uma floricultura, decidiu comprar três mudas.
— Eu liguei para a aloja e a menina me orientou, indicou as melhores espécies para cultivar e deu dicas de como cuidar — recorda.
Ao final de algumas semanas, duas das três plantas seguiam firmes na sala do apartamento, na Cidade Baixa. Empolgada com o novo hobby, foi aumentando a coleção que, até a entrevista, somava 22 exemplares.
Até o bidê do banheiro virou suporte para plantas — recebeu alguns lírios da paz. O envolvimento é tamanho que exemplares foram batizados: chamou a samambaia de Sandra, e o cactos, de Severino. Compartilha o sucesso do trabalho com os amigos através do Instagram, onde posta fotos das novas habitantes do apartamento.
Os cuidados com a pequena “selva”, como refere-se ao ambiente, viraram entretenimento contra o tédio do distanciamento e despertaram sua curiosidade para além dos cômodos de casa.
— Agora meu namorado me chama de “Maria Macega”, porque já saio na rua olhando para as plantas e pensando no que pode virar uma muda. Até vídeos de adubação estou assistindo — conta a analista de sistemas, que também passou a trocar mudas com os vizinhos.
Plantar para não surtar
Em um vídeo bem-humorado enviado à mãe há cerca de três semanas, o esteticista Gabriel Sturza, 22 anos, gabava-se dos bons resultados de um projeto iniciado durante o distanciamento social:
— Então tá, dona Ana, morra de inveja: olha o tamanho dessa couve crescendo, minha ora pronobis cheia de pezinhos, minha salsinha e meu temperinho crescendo, meu tomate não morreu, meus alfaces vingando… Segura essa, dona Ana — dizia, enquanto exibia a horta improvisada em uma pequena área externa do apartamento onde mora no bairro Menino Deus.
Foi com a mãe, natural de Uruguaiana, que Gabriel aprendeu a gostar de plantas e a cultivar algumas delas. A suspensão das atividades da clínica estética em que trabalha, que o obrigou a passar mais tempo em casa, foi o empurrão que faltava para começar a plantar chás, temperos e hortaliças.
— Quem tem uma vida ativa surta de ficar em casa —observa.
Com alguns pallets sobrando, construiu uma estrutura vertical para pendurar vasos, enquanto pequenas jardineiras plásticas acomodaram mudas de alface, rúculas, salsa e cebolinha. Para a sua surpresa, tudo vingou na primeira tentativa.
Agora, passa cerca de uma hora por dia envolvido com os vegetais, que fotografa de tempos em tempos, para monitorar a evolução. Quando tem dúvidas, recorre à internet ou à sabedoria materna. Não esconde o orgulho do trabalho, que também ganhou uma dimensão terapêutica:
—Antes, se eu queria fazer um chá, ia no mercado comprar. Agora vou ali, pego umas folhas e está pronto. Tem de ter paciência, porque não é de um dia para o outro. Mas me acalma mexer com a terra. É recompensador ver como cresceu e está bonito.
Experimentações no jardim
Plantar ervas e temperos era um sonho de antigo de Christiane Ávila e do marido, Jefferson Rosa, que, por falta de tempo, não conseguiam tirar do papel. Até que, em uma das primeiras idas à feira durante a pandemia de coronavírus, o assunto voltou à pauta do casal.
— Para fazer essas coisas, tem de ter tempo, né. Tinha uma pessoa vendendo mudas de tempero. Compramos, uma, tiramos um pedaço do gramado no fundos de casa e plantamos ali — recorda.
Sem conhecimentos prévios sobre o assunto, os dois resolveram agir. Plantaram algumas mudas no pátio, regaram e esperaram ver brotar. De cara, tiveram de lidar com a primeira baixa: sem profundidade para se desenvolver, o alecrim secou.
Fizeram novas investidas, pedindo dicas ao vendedor, e agora comemoram o desenvolvimento do novo tempero, além de orégano, salsa, cebolinha, pimenta e pimentão.
As ervas, inclusive, já ganharam lugar na cozinha de casa. Enquanto algumas são usadas em molhos e outras preparações, outras são usadas para agregar novos aromas ao chimarrão.
O casal, que também fez uma composteira caseira para descartar cascas de frutas, legumes e verduras — seu substrato serve como adubo —, se reveza nos cuidados com as plantas. Já fazem planos para ampliar a horta, e mantê-la saudável quando ambos, que estão em home office, retomarem as atividades fora de casa.
— Não vamos estar em casa o dia todo, mas vamos cuidar. Para mim, é uma distração. É como um filhote. Tu coloca tua energia ali, e, quando vê, a coisa está brotando e crescendo — diz Christiane.
Como começar a cultivar plantas em casa
Antes de comprar
Lembre-se que cada planta precisa de condições específicas para se desenvolver. Busque saber quais espécies combinam melhor com o ambiente que você tem.
Com as mudas em mãos
Prepare bem o recipiente que irá receber a planta. Misture a terra com um pouco de adubo (na proporção de um litro para cada 10 litros de terra), encontre um ambiente arejado e regue-as regularmente — a frequência varia conforme a espécie e o clima. Para saber se está na hora de molhar, pegue um pouco de terra na mão: se esfarelar, está seca. Caso escorregue demais, está encharcada. Se a planta estiver corretamente hidratada, a terra terá a consistência uma pasta firme.
Um lugar ao sol
Temperos e hortaliças precisam de um mínimo de exposição diária à luz solar para se desenvolverem. Para as ervas, considere um local onde possam tomar, pelo menos, duas horas de sol por dia. As hortaliças têm de pegar sol diretamente por, no mínimo, quatro horas diárias.
Se a luz é pouca, também pode
Todas as plantas precisam de alguma luminosidade, mas não ter a incidência de sol direto não é impeditivo para cultivar. Espécies como a samambaia, a jiboia, a peperomia e a costela-de-adão sobrevivem bem à luz indireta, apenas com a claridade. A mesma coisa vale para flores como o antúrio e o lírio da paz.
Alimente os vegetais
Plantas são seres vivos, e precisam ter seus nutrientes repostos periodicamente. Pergunte ao florista a frequência com a qual sua espécie precisa ser adubada e qual é o melhor tipo de adubo. Evite colocar cascas de frutas e borra de café diretamente nas plantas: o processo de compostagem aumenta a temperatura do solo, e pode matar os vegetais.
Exercite a sensibilidade
Observe as suas plantas, e fique atento aos sinais que ela dá. Se estiver com folhas deterioradas, amareladas ou arroxeadas, pode estar doente ou com falta de nutrientes. Lembre-se podar as folhas secas ou amareladas, que podem “roubar” nutrientes das saudáveis.
Não desista
Existem muitas variáveis que podem fazer com que uma planta se adapte ou não a um determinado ambiente. Se não der certo com uma espécie específica, procure outra que se adeque melhor a sua casa, e cujos cuidados se encaixem na sua rotina. A jardinagem também é um exercício de paciência.